Certa vez, em meu consultório, filmei uma sessão com um cliente, e daí tive a sorte de rever o filme mais tarde e ver aquilo que na hora não vi… Enquanto ele relatava emocionado a sua tentativa de fuga dos seus agressores sexuais em sua infância, suas pernas tamborilavam no chão. Explicarei isto mais tarde…
Porém, antes de prosseguir segue outro relato… Após iniciar a leitura de mais um livro sobre EMDR, método em que me especializei no ano de 2000, percebi que eu bem poderia juntar um exercício físico que gosto ao método. Assim, comecei a fazer “embaixada” com os dois pés com uma bola na quadra de meu prédio enquanto pensava em um assunto desagradável, logo, logo, percebi um alívio nos sintomas, ou seja, as sensações desagradáveis ligadas ao assunto desapareceram.
A seguir fui até o consultório clinicar e assisti uma cliente relatar que havia se lembrado de uma situação em que se pensava que estivesse a ponto de cometer suicídio… Ela havia subido para uma laje enquanto discutia com o namorado no celular. Descreveu que inicialmente estava sentada argumentando, mas que quando não conseguiu mais suportar a pressão da conversa levantou-se e começou a andar em círculos lá em cima e aí foi regredindo, se sentindo impotente, e começou a falar que queria papai e mamãe, etc. Segundo sua percepção ela não dissociou ali mas sofreu uma regressão.
Expliquei então o que eu percebi nesta ocorrência.
“Quando você estava conversando com teu namorado ainda estava ali como adulta, entretanto como houve a traição e ele não cedia, não aceitava os teus argumentos, você ficou impaciente e se levantou se pondo a andar. Isto gerou uma estimulação bilateral através das solas dos pés… E com isto você deu início ao processamento do assunto, só que pelo fato de você ter no teu passado o trauma de abuso por parte do irmão, teu processamento te conduziu direto para lá” … Ou seja, quando processamos traumas os mesmos podem se conectar e vir em cadeia para a consciência ou para seu limiar. Isto gera muita ansiedade e faz com que a pessoa fique impotente à mercê dos traumas.
Naturalmente dissociamos para nos proteger de algo; para termos um alívio de certas pressões do dia a dia normalmente todos nós dissociamos como uma forma de defesa, mas se ficarmos muito dissociados ficaremos com lapsos de consciência e desligados da realidade. É isto o que acontece na Síndrome de Stress Pós-Traumático.
A questão para se entender o que ocorre nos traumas ou em passagens muito difíceis em nossas vidas é que temos que entender que como seres que evoluímos temos uma série de defesas naturais, ou processos naturais de cura.
Por exemplo, quando você quebra uma perna e é posta uma bota de gesso, não é o gesso que te cura, quem cura o corpo são os mecanismos do corpo. O que a medicina e a psicoterapia buscam fazer é retirar os obstáculos ou otimizar os recursos do corpo. A magia da cura de qualquer problema repousa latente, mais ou menos ativa dentro de todos nós. Dentro da evolução, aquilo que outrora era dor física transformou-se em ansiedade, que é portanto um tipo de dor. A angústia é uma forma de dor, e portanto um mecanismo importante para a sobrevivência. Ela nos alerta de que algo não está bem. Ou existe um perigo, ou existe uma ameaça… Assim, os nossos processos perceptuais têm as funções de nos ajudar em nossa adaptação, vigilância, defesa e predição em relação ao mundo que nos cerca. São processos fundamentais para a nossa sobrevivência. Bem como a capacidade de nos associarmos e de nos dissociarmos, esta capacidade de nosso cérebro nos permite entrar numa experiência, a tal ponto de viver algo como se aquilo tivesse ocorrido conosco, por exemplo quando alguém ao escrever no quadro com um giz inadvertidamente arrasta a unha no quadro, porque o giz quebrou… Muitos de nós podemos sentir arrepios, ou nos encolher como se fosse a nossa própria unha. De outro modo, quando algo muito forte está para acontecer em nossa frente dizemos: “não quero nem ver!”, e, ato contínuo, levamos nossas mãos aos olhos para impedir literalmente a visão. Portanto, todos os sintomas decorrem de um processo evolutivo e têm uma função: nos alertar sobre algo. Embora incômodos, os sintomas, como a dor, a febre, ou o pânico, apontam numa direção, nos fornecem um alerta sobre a nossa condição de saúde. Assim, do mesmo jeito que não se pode retirar o coração de alguém sob pena de matar esta pessoa, também não podemos retirar a capacidade do corpo de produzir sintomas. O que precisamos fazer é ler os sinais e aí, assim como no coração com batimentos irregulares (taquicardia ou bradicardia) regularizar o funcionamento do mesmo, não podemos, repito retirar o órgão e o processo para o qual ele está lá. O mesmo ocorre com o processo dissociativo, que se desregulado causa sintomas bem desagradáveis, como é o caso de várias síndromes psicopatológicas. ( Ao lado foto de Francine Shapiro, criadora do EMDR).
Abaixo dados sobre o método.
O QUE É EMDR?
Introdução
EMDR (Eye Movement Dessensitization and Reprocessing) quer dizer: Dessensibilização e Reprocessamento dos Movimentos Oculares [entenda-se através dos movimentos oculares]; é uma ferramenta psicoterapêutica, não interpretativa, muito eficiente, pois é o próprio paciente que, revivendo sua experiência, faz as associações necessárias. Se parece com várias terapias comportamentais tradicionais para reduzir temores em que se exige ao cliente imaginar eventos traumáticos de um modo gradual na presença de um terapeuta de suporte; é uma abordagem que permite acelerar o tratamento de um grande número de patologias e problemas de auto-estima relacionados a experiências traumáticas do passado e condições adversas do presente. Trata-se de um “tipo de hipnose” estimulada pelo movimento rítmico dos olhos, similar ao que é realizado espontaneamente por nosso corpo quando sonhamos (movimentos REM do sono).
A criadora do EMDR (em 1987) e principal proponente é a psicóloga americana Francine Shapiro, Ph.D, Recebeu seu título de doutora em 1988; pesquisadora sênior do Instituto de Pesquisa Mental em Palo Alto (EUA); diretora executiva EMDR Institute para treinar profissionais de saúde mental. Recebeu em 1993 o Prêmio de Realização Científica dado pela Associação Psicológica da Califórnia Ela e seus associados treinaram mais de 22.000 clínicos por todo o mundo em workshops que em 1997 custavam US$ 385, e já tem mais de 30.000 treinados em 52 países
Histórico
A Dra. Francine Shapiro, em maio de 1987, caminhando pelo parque percebeu que alguns pensamentos perturbadores que ocorriam na sua mente desapareceram de súbito, e quando ela trazia estes mesmos pensamentos de volta à mente, já não eram tão incômodos e não tinham a mesma importância de antes. Prestando atenção ao que ocorria percebeu que seus olhos moviam-se espontaneamente para lá e para cá rapidamente, quando os pensamentos perturbadores vinham à mente. Percebeu que ao associar movimentos oculares a estas imagens, a intensidade das perturbações se reduzia, ou chegava mesmo a desaparecer. Era como se, em estado de vigília, pude-se experimentar um processo neurofisiológico similar ao do sono REM (rapid eyes movement) – as ondas cerebrais relacionadas ao período dos sonhos e que têm uma função reparadora muito importante para o nosso organismo. (como opção à técnica de exposição da abordagem comportamental que se mostrava em alguns casos retraumatizante ou insuportável, levando a elevadas taxas de evasão). Alcançou idêntico resultado com outras pessoas. Testou com amigos e posteriormente com ex-combatentes da guerra do Vietnã, percebeu que as pessoas elaboravam os eventos traumáticos. Em suma ela trabalhou com 70 pessoas durante 6 meses e desenvolveu um procedimento padronizado.
Nesse primeiro momento o tratamento centrava-se no diagnóstico de Transtorno do Estresse Pós – Traumático (T.E.P.T.) com resultados positivos.
O principio básico expõe uma crença em um movimento reparador natural do organismo. Assim como o corpo está biologicamente adequado para buscar a saúde (“cicatrizando feridas” através da complexidade de seu sistema imunológico), há no sistema de processamento de informações uma tendência a gerar estados de saúde mental desde que esteja desbloqueado para seguir seu rumo e seu fluxo. Parte-se, portanto da crença em um processo de maturação e auto-cura reparadora desde que se provenham as condições favoráveis para que esse processo espontâneo se dê. Quando o paciente combina a memória do trauma aos movimentos laterais dos olhos, ativa mecanismos cognitivos e fisiológicos que reprocessam o trauma e dessensibilizam a ferida, como sugere o nome da terapia. Ao focar a experiência e simultaneamente ativar a estimulação bilateral através do foco dual da atenção (no estímulo presente e na memória passada) há uma transmutação resultante que ocorre espontaneamente em direção à saúde.
Em março de 1990, como resultado da experiência de treinamento e da avaliação subseqüente de centenas de casos, Shapiro fez mudanças desde a formulação comportamental inicial de simples dessensibilização da ansiedade para um paradigma mais integrativo de processamento de informação. Ao E.M.D.R., foi acrescentado também vários estímulos, não somente o dos olhos mas, estímulos bilaterais. Francine criou um protocolo, que facilita sua administração e a maneira de ensiná-lo.
Informações para Terapeutas
O terapeuta que aplica o EMDR deve ser certificado através do EMDR Institute, ter completado os níveis I e II do treinamento, com posterior supervisão.
Recomendações para o uso da terapia E.M.D.R.
O EMDR pode ser aplicado em transtornos de estresse pós-traumático, ou seja, reações de angústia ou ansiedade evasivas em pessoas que passaram por eventos traumáticos: guerras, rebeliões, assaltos, acidentes, abusos sexuais ou físicos, enchentes, perdas inesperadas (morte, finanças), abandonos afetivos, fobias, desordens de aprendizado, e muitos outros problemas mentais e emocionais, ansiedade, pânico, depressão, transtorno de personalidade múltipla, e também as crenças limitantes apresentam respostas benéficas com o E.M.D.R.
O sucesso obtido nos resultados clínicos do tratamento com E.M.D.R. feito por cerca de dez mil clínicos treinados até agora demonstrou ampla gama de aplicabilidade do método. Por exemplo, um levantamento financiado pelo Departamento de Assuntos Ligados a Veteranos (Department of Veteranns Affairs – DVA) entrevistou clínicos treinados em E.M.D.R. que haviam tratado mais de dez mil clientes. Descobre-se que aproximadamente 74% desses clínicos citaram mais efeitos benéficos de tratamento com E.M.D.R. do que outro método utilizado, enquanto apenas 4% afirmaram ter tido um êxito inferior.
Diversos estudos feitos com vítimas de agressão, estupro, abuso sexual, físico ou verbal na infância e adolescência, acidentes, catástrofes, perdas dolorosas, guerras, assaltos e seqüestros, indicam que este é um método capaz de reduzir rapidamente os sintomas assim como processar as memórias traumáticas além de promover uma significativa reestruturação cognitiva. É o método usado no tratamento do trauma que possui mais estudos controlados sobre sua eficácia em relação a outros métodos. Quatorze pesquisas controladas estudaram a eficácia de EMDR, fazendo deste o método o mais pesquisado no tratamento de trauma. Os 5 estudos mais recentes com indivíduos que sofreram em eventos como estupro, combates, perda de uma pessoa querida, acidentes, desastres naturais, etc. tiveram como resultado que 84-90% dos pesquisados não tiveram sintomas do Estresse Pós Traumático depois de três sessões de tratamento.
Uma sessão começa com a identificação de algo que perturba ou limita o paciente. Focalizado o problema, a pessoa é convocada a forçar a lembrança de imagens do evento que causou o trauma tão vividamente quanto possível e então se pede que o paciente acompanhe os movimentos do terapeuta, que conduz um conjunto de movimentos oculares, sendo conduzida a repetir os mesmos movimentos com os olhos que fazemos espontaneamente durante o sonho…. mantendo a mente focalizada no material perturbador. O método envolve que ele procure estimar sentimentos estabelecidos antes e após acompanhar visualmente o dedo do terapeuta conforme ele se move para frente e para trás na frente dos olhos do cliente.É esse movimento dos olhos que, de alguma forma, abre os canais de livre associação entre várias áreas de pensamento, disparando a “digestão” de informação e o processo de autocura.
O método consiste em pedir que a pessoa fale sobre a imagem perturbadora da memória traumática, além de dizer que pensamentos e crenças negativas ela têm a respeito da situação ou de sua participação na mesma (tais como “me sinto suja”, “eu não valho nada”). Essa crença é chamada de cognição negativa.
Pede-se ao indivíduo que retorne a memória traumática e a cognição negativa e atribua um valor ao nível de ansiedade, utilizando uma escala de Unidades Subjetivas de Perturbação (Subjective Units of Disturbance – SUD) de 11 pontos onde 0 (zero) representa uma unidade neutra e 10 equivalente à máxima ansiedade possível.
Pede-se ao indivíduo que verbalize um pensamento ou crença positivas que gostaria de ter a respeito de si mesmo (tais como: “eu tenho valor”, “eu estou no controle” ou “fiz o melhor que pude”) e que se atribua um valor ao qual verdadeiramente lhe parece tal crença por meio de uma escala diferencial semântica de 7 pontos denominando Escala de Validade de Cognição (Validity of Cognition – Voc), no qual 1 representa “completamente falso” e 7 (sete) significa “completamente verdadeiro”.
Adverte-se ao indivíduo que use suas sensações viscerais como base para seu julgamento, ao invés de qualquer análise intelectual.
Limites da Eficácia
A respeito de problemas para os quais o E.M.D.R. em geral não apresentava efeito algum, o transtorno obsessivo – compulsivo foi claramente o mais citado.
Duas Perguntas Mais Frequentes
Quanto tempo de tratamento com EMDR, uma pessoa precisaria?
O E.M.D.R. é aplicado por cerca de 1 hora a 1 hora e meia. Para o tratamento, são necessárias, geralmente, menos de dez sessões, dependendo do caso, uma ou duas sessões são suficientes. Se o trauma não estiver associado, não há recidiva…
EMDR é uma hipnose?
Apesar de eventualmente ser confundido com a hipnose, EMDR não é hipnose, leituras eletroencefalográficas comprovam que as ondas cerebrais envolvidas no processo são as tetas e em vigília, o paciente está acordado e consciente. Enquanto na hipnose as ondas predominantes são alfa e beta, há uma indução e as memórias são ativadas através de momento a momento. Com o EMDR notamos saltos nas lembranças… mudança de alvo… e rápida. As teorias a respeito de EMDR ainda são recentes.
O processamento de EMDR permite desbloquear o sistema de processamento de informações do cérebro, fazendo com que as imagens, sons, sentimentos e sensações não mais sejam revividos quando o evento é trazido à memória – ainda que possa ser lembrado, seu efeito perturbador desaparece ou diminui sensivelmente.
Uma sessão começa com a identificação de um problema específico a ser focalizado (tema). O cliente normalmente traz registros traumáticos, angustias, uma lembrança ou mesmo uma autohipnose negativa. Procura manter em sua mente uma cena, um sentimento, uma localização corporal de sentimentos, um pensamento ou ainda as crenças negativas relacionadas com a dificuldade a ser trabalhada. O terapeuta a partir disto pede ao cliente que se fixe no tema escolhido ou no sentimento e começa uma série de estimulações dos olhos ou através de tapping (pequenos tapas nas pernas), entre outras. Isto conduz o cliente a uma série de sentimentos e lembranças, com isto processando automaticamente o trauma ou tema escolhido.
Durante a aplicação da técnica é comum acontecer algumas ab-reações (crises de choro, ou angústia). O EMDR já utiliza algo parecido com o Lugar Protetor, que é denominado de local seguro. Tal local é uma imagem positiva criada pelo cliente (durante a fase de preparação). Tal lugar deve ser usado como local de descanso durante os reprocessamentos prolongados ou como uma maneira de aliviar ou reduzir a angústia ou perturbação do cliente ao final de uma sessão incompleta. Também pode ser utilizado com clientes que não conseguem relaxar, que ficam muito vigilantes, ou clientes condicionados a não relaxar por medo de ser abusado de novo. O local seguro é de grande valor para restabelecer o equilíbrio do cliente antes do processamento do EMDR.
Estamos fazendo uma matéria sobre Tristeza e Depressão (haverá um pequeno Box para falarmos sobre suicídio). Assim, gostaríamos que o senhor nos respondesse as perguntas abaixo.
Em sua opinião, qual a diferença entre tristeza e depressão?
Tristeza e depressão são nomes para processos complexos e diferentes que se manifestam em diferentes pessoas, e isto tem uma importância enorme na evolução de um quadro clínico, as pessoas têm características que interagem com os sintomas.
Embora o senso comum possa usar ambas as palavras como sinônimos, tecnicamente a depressão caracteriza um estado patológico passível de tratamento e que sem este provavelmente não irá passar.
Na tristeza orienta-se o cliente, faz parte das reações normais diante do sofrimento. Se alguém sofre uma perda, ficará triste. Se for uma morte haverá uma profunda tristeza, um estado de luto que é normal, mas se esta perda for por demais traumática o luto, que por si só já é traumático, se transformará num luto patológico e aí poderá haver um quadro de depressão.
São muitas as variáveis implicadas nestes assuntos: bioquímicas, psicológicas, culturais. Tanto o contexto genético, biológico, quanto o familiar e sócio-psicológico têm algo a informar. Portanto são nomes para complexos processos.
Naturalmente devemos entender que nós inventamos nomes para as coisas, por exemplo, temos um objeto que se chama garfo e outro que se chama almofada. Se você sentar sobre uma almofada sentirá uma sensação de maciez o mesmo não se daria com o outro objeto. Entretanto se mudássemos o nome de uma almofada para garfo, ou seja, se todos aqueles objetos macios fossem chamados de garfo… Bem, eu poderia sentar no garfo e o efeito seria perceber a maciez. Logo o nome é só uma convenção. Batizamos as coisas… L’eau, water, wasser, água, são nomes de uma mesma coisa, H²O. Não importa o nome, se você pedir água em qualquer idioma receberá uma substância que matará a tua sede.
Assim temos vários processos no corpo humano que geram sensações, batizamos estas com o nome genérico de sentimentos: alegria, amor, paixão, saudade, raiva, medo, pesar, tristeza e depressão.Tais processos são complexos e interdependentes. Por exemplo, o medo e a raiva fazem parte de um mesmo processo de energia bioquímica, assim como calor e frio fazem parte do processo temperatura. Se você tem raiva também tem medo e vice-versa. Note-se que um lutador profissional pode neutralizar um adversário e parar por aí. Não há raiva, nem medo. Entretanto, quando alguém espanca outra pessoa temos a raiva e o medo agindo, porque estes sentimentos fazem parte de um mesmo processo, assim como o calor e o frio.
Bom, convencionou-se dizer que a tristeza envolve certas sensações maispassageiras provenientes de frustrações e fatos da vida, sendo algo normal; enquanto a depressão é um estado mais estável e persistente no tempo com vários efeitos associados. Se alguém querido morre ficamos tristes, entramos numestado de luto considerado saudável, se o luto persiste além de determinados parâmetros teremos um luto patológico.
As pesquisas apontam alterações bioquímicas e predisposição genética no caso da depressão, e daí os medicamentos são criados para interferir apenas neste nível, mas existem os outros níveis sócio-familiares e psicológicos queprecisam de atenção.
Obviamente o assunto continua sendo pesquisado. E há ainda as chamadas síndromes silenciosas, alguém que é levemente deprimido talvez não perceba que este seu “jeito de ser” é uma forma de manifestação persistente de seu humor, portanto de sua bioquímica.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), existem 121 milhões de pessoasque sofrem de depressão no mundo. O senhor crê que é um número exagerado?
Trabalho com clínica e não com pesquisas, mas considero em termos de lógica que isto seja bem provável devido as condições atuais da população humana e do habitat global. Temos 6 bilhões de indivíduos sobre o planeta e a seguinte situação:
Segundo avaliação do Worldwatch Institute, em um único dia a humanidade e suas máquinas jogam na atmosfera mais gás carbônico que todos os seus antepassados em um século. Análises de amostras coletadas de ar encapsulado no gelo do Ártico, datadas conforme sua profundidade confirmam essa avaliação. Centenas de espécies de peixes comestíveis foram extintas em apenas trinta anos pela pesca industrial, que usa satélites para localizar cardumes e redes tão descomunais que poderiam engolfar um prédio de quarenta andares. Pela presença de pessoas em seus habitats, animais estão sendo extintos num ritmo cinqüenta vezes mais rápido que o trabalho seletivo da evolução natural das espécies. Apenas um terço das florestas que viram a chegada dos colonizadores europeus às Américas ainda está de pé. O Brasil é quase uma vitrine da destruição tocada pelo homem. O país já perdeu 93% da Mata Atlântica, 50% do cerrado e 15% da Floresta Amazônica. E as motos serras continuam em ação.
Segundo li, no estudo do impacto global das doenças mentais, a OMS calcula que haja 154 milhões (portanto 33 milhões a mais que a pergunta) de pessoas a sofrer de depressão, além de 25 milhões de esquizofrênicos.
O número de indivíduos com problemas relacionados com o abuso de álcool é de 91 milhões e pelo menos 15 milhões de seres humanos têm doenças ligadas ao abuso de droga. Todos os anos, suicidam-se 877 mil pessoas e há 326 milhões que sofrem de enxaquecas. Ninguém sabe ao certo quais os custos destas doenças, mas menos de 1% dos orçamentos de saúde, nos países pobres ou médios, é destinado ao sector da saúde mental.
No caso da depressão, as pessoas que recebem tratamento médico não chegam a uma em cada quatro.
Em sua opinião, os médicos estão confundindo tristeza com depressão? Por que?
Sinceramente não sei o que os médicos andam fazendo, rsss! Porém acredito que osprofissionais devem estar preparados para fazer esta distinção.
Percebo pelos clientes que atendo (muitos já estiveram em outros tratamentos), que existem casos que necessitam de uma visão mais ampla.
Por exemplo, uma senhora foi diagnosticada como psicótica quando na verdade ela sofrera uma perda após o marido anunciar que estava indo viver com outra mulher. Ela teve reações estranhas compreensíveis dentro do processo de luto, pois todo luto, toda separação, toda perda é traumática e passível de causar uma Síndrome de Estresse Pós-Traumático; devido aos processos dissociativos os sintomas podem ser bem estranhos, mas não se trata de psicose.
Em outro caso tratei um cliente de depressão. Ele estava bem e espaçou as consultas. Então um dia a família me ligou dizendo que eu deveria vê-lo porque a depressão estava voltando. Disseram que ele estava amuado, triste novamente.
Eu o entrevistei e descobri que alguém querido havia morrido. Ele estava triste e tinha razão para tanto. Disse-lhe para curtir o luto e vivenciar a tristeza, não havia o que tratar.
A própria família estava assustada e o cliente também, com justa razão devido ao passado e aos anos de sofrimento. O medo de aquilo ser uma recaída era bem compreensível.
Há um excesso de medicalização por parte de médicos e, também, pacientes quando se fala de depressão?
Vemos as farmácias proliferarem e os preços abusivos dos remédios, sabemos que os laboratórios fazem uma propaganda selvagem junto aos médicos (J. Landmann tem obras interessantes sobre isto) e que existem trabalhos que mostram que os médicos não recebem um ensino adequado sobre o tema da relação médico-paciente que, aliás, já foi motivo de filme (Patch Adams, que é inspirado em uma situação real) e de estudos qualitativos.
Então temos que observar a ética e a competência dos profissionais, e tudo isto se apóia nos seus valores oriundos de suas famílias, na construção de suas personalidades.
Alguns clientes que atendi da área médica, ou seja médicos que vieram procurar auxílio na psicoterapia estratégica, chegaram a observar esta deficiência em sua formação.
Sabe-se que qualquer conduta terapêutica aplicada em contexto errado aumenta o problema, é tóxica por si mesma; é responsabilidade do profissional orientar o cliente sobre o tratamento, o profissional em si pode ser tão tóxico e gerar efeitos colaterais e iatrogênicos quanto qualquer medicamento, já dizia M. Ballint.
Como existem vários contextos cada caso necessita de uma conduta terapêutica que não se resume a receitar remédios. A influência da pessoa do médico, sua capacidade de orientação sensata, cordial e firme pode ser decisiva para que o cliente cumpra suas prescrições. Se você não confiou no médico simplesmente sai de lá sentindo-se mal amparado e provavelmente rasga a receita.
Esclarecendo um pouco mais:
Iatrogenia é uma alteração patológica provocada no paciente por diagnóstico ou tratamento de qualquer tipo. Um problema iatrogênico é provocado por procedimentos médicos inadequados ou através de exposição ao meio hospitalar; inclusive o medo causado ao doente por comentários ou perguntas feitas pelos médicos que o examinam.
Sabemos que muitos medicamentos, equipamentos, cirurgias e terapias são considerados milagres da medicina moderna. Entretanto, existem diversos aspectos desses milagres.
Antigamente, as pessoas confiavam cegamente em seu médico. Havia um vínculo pessoal com o médico. Esse vínculo degenerou com a ênfase na medicina como negócio, códigos, empresas de seguro-saúde. O mercado da área de saúde não procura fazer o bem e as pessoas perderam a confiança. A iatrogenia tem um papel importante e feio nessa história.Journal of The American Medical Association (2000:284:94), pela Drª. Barbara Starfield, mostrou que nos EUA:
Um estudo publicado no
12.000 óbitos por ano são provocados por cirurgias desnecessárias;
7.000 óbitos por ano são provocados por erros de medicação em hospitais;
20.000 óbitos por ano são provocados por outros erros em hospitais;
80.000 óbitos por ano são provocados por infecções hospitalares;
106.000 óbitos por ano são provocados por efeitos adversos dos medicamentos.
Isso significa 225.000 óbitos por ano devido a causas iatrogênicas, tornando a iatrogenia uma das principais causas de óbito nos EUA e esse número não inclui deficiências e outros problemas — apenas os óbitos ocorridos nos hospitais. Quando refletimos que anualmente o número de óbitos devido a erros médicos é quatro vezes maior do que o número de óbitos durante toda a guerra do Vietnã, ficamos chocados sem entender porque tal informação não chega às manchetes ou porque ainda não foram criados enormes grupos de estudos custeados pelos médicos ou pelas autoridades políticas.
Toda depressão deve ser tratada com medicamentos? E a tristeza?
Os medicamentos foram feitos para ajudar e não complicar, nunca são o centro de um tratamento porque todo sintoma manifesta-se em uma personalidade particular, portanto não se devem fazer generalizações. Então a conduta terapêutica deve ser baseada neste diagnóstico diferencial, não basta ver se a depressão ou a tristeza é leve ou grave, tem que se avaliar em quem está havendo tal manifestação, quais são os fatores sociais, familiares, psicológicos e econômicos envolvidos.
Os medicamentos quando bem empregados auxiliam muito, mas não substituem a psicoterapia no caso da depressão.
O suicida é, necessariamente, uma pessoa que tenha depressão? Ou ele pode, passando por uma fase de tristeza (frustração), tornar-se um suicida?
Para uma pessoa cometer suicídio tem que estar num estado alterado de consciência, a depressão é um fator que leva a esta predisposição e aparece significativamente em dados estatísticos. Mas isto não significa que há uma ligação rígida de causa e efeito. Uma pessoa deprimida, ou sofrendo, pode pensar em se matar, porém não o faz.
Parece que fatores na infância (traumas, abusos e maus tratos são temas pesquisados e encontrados), combinados com a genética específica de cada pessoa é que molda a sua personalidade deixando-a mais propensa a ser capaz de executar o ato se as condições forem propícias.
Tanto um samurai quantouma pessoa que sofre de depressão, ou que fuma ou usa outras drogas estão num estado alterado de consciência, todos têm que estar dissociados para por fim a própria vida, mas as histórias e razões diferem. Portanto há tipos diferenciados de suicídio. Há pessoas, profissionais da saúde inclusive, que fumam, outras gostam de viver perigosamente, outras se oferecem para missões cujas chances de sobreviver são mínimas.
Portanto existem formas diretas e indiretas de suicídio.
Segundo dados da OMS, três mil pessoas cometem suicídio por dia no mundo e a média de casos aumentou 60% nos últimos 50 anos. Para o senhor, quais as principais causas para este aumento?
Para entendermos o cenário atual recorro ao cálculo que se tornou clássico na literatura científica popular: o astrônomo Carl Sagan (1934-1996) propôs que se toda a história do universo pudesse ser comprimida em um único ano, os seres humanos teriam surgido na Terra há apenas sete minutos. Nesse período, o homem inventou o automóvel e o avião, viajou à Lua e voltou, criou a escrita, a música e a internet, venceu doenças, triplicou sua própria expectativa de vida.
Mas foram também sete minutos em que a espécie humana agrediu a natureza mais que todos os outros seres vivos do planeta em todos os tempos.
Deteriorou a condição de vida de muitas pessoas também, há muita ganância e muita miséria, injustiças sociais e traumas foram se espalhando.
A natureza está agora cobrando a conta pelos excessos cometidos na atividade industrial, na ocupação humana dos últimos redutos selvagens e na interferência do homem na reprodução e no crescimento dos animais que domesticou.
A começar por seus bens mais preciosos, a água e o ar, o balanço da atividade humana mostra uma tendência suicida. Com a mesma insolência de quem joga uma casca de banana ou uma lata de refrigerante pela janela do carro pensando que está se livrando da sujeira, a humanidade despeja na natureza todos os anos 30 bilhões de toneladas de lixo. Os tufões serão cada vez mais fortes para varrer todo este lixo.
Quem mais sofre com a poluição são os recursos hídricos. Embora dois terços do planeta sejam água, apenas uma fração dela se mantém potável. Como resultado, a falta aguda de água já atinge 1,2 bilhões de pessoas em todo o mundo. Quatro em cada dez seres humanos já são obrigados a racionar o líquido. Pior. Por problemas principalmente de poluição, os mananciais, que ficaram estáveis por séculos, hoje estão diminuindo de volume em todos os continentes, enquanto a população aumenta. Se a Terra fosse do tamanho de uma bola de futebol, a atmosfera teria a espessura do fio de uma lâmina de barbear. Pois bem, essa estrutura delicada vem recebendo cargas de fumaça e gases venenosos num ritmo alucinante e é claro que isto afeta todas as formas de vida.
A depressão, o suicídio e outros problemas são também um reflexo destes inúmeros fatores, miséria, pobreza, fome, falta de perspectiva na vida, maus tratos na infância, traumas, etc.
Portanto é preciso repensar os sistemas, Lester Brown apontou isto com muita sabedoria em sua obra “Por uma sociedade viável” (ed. FGV).
Creio que as palavras do chefe Seattle ao entregar, solenemente, em 1854, seu território e seu povo à soberania dos EUA, sintetiza esta relação dos homens com Gaia, o planeta Terra na visão de James Lovelock:
“Ensinem aos seus filhos o que nós ensinamos aos nossos, que a terra é nossa mãe. Tudo que acontece com a terra acontece com os filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo sobre si mesmos… A terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Nós sabemos disso. Todas as coisas se ligam como o sangue que une a mesma família. Todas as coisas se ligam. Tudo que acontece à terra acontece aos filhos da terra.”
Médico francês relata suas pesquisas sobre o câncer e ensina a prevenir a doença usando defesas naturais
MAIS DE 300 MIL EXEMPLARES VENDIDOS NA FRANÇA.
PUBLICADO EM 26 PAÍSES.
“Todos temos um câncer dormindo em nós.” Esta frase, estarrecedora para muitos, é o ponto de partida do livro Anticâncer, do médico e pesquisador francês David Servan-Schreiber. E, de maneira nenhuma, deve ser motivo de alarme; pelo contrário, é exatamente esta certeza que nos torna capazes de vencer essa doença – a maior causa de mortalidade no mundo ocidental.
É Servan-Schreiber quem explica: “como todo organismo vivo, nosso corpo fabrica células defeituosas permanentemente. É assim que nascem os tumores. Mas nosso corpo é também equipado com múltiplos mecanismos que lhe permitem detectá-los e contê-los. No Ocidente, uma pessoa em cada quatro vai morrer de câncer, mas três em cada quatro não morrerão. Para estas últimas, os mecanismos de defesa terão dominado o câncer”.
O autor não fala somente como pesquisador. Em 1981, quando tinha apenas 30 anos, Servan-Schreiber teve câncer no cérebro. Foi tratado pelos métodos convencionais, e depois teve uma recaída. Foi então que decidiu pesquisar, para além dos métodos habituais, tudo que podia ajudar seu corpo a se defender. Na qualidade de médico, pesquisador e diretor do Centro de Medicina integrado à Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, teve acesso a informações preciosas sobre as abordagens naturais que podem contribuir para prevenir ou tratar o câncer. Hoje, ele vive em plena saúde há mais de sete anos.
Em Anticâncer, Servan-Schreiber faz o relato de tudo o que aprendeu. Conta que, depois da dura experiência de combater a doença com uma cirurgia e várias sessões de quimioterapia, pediu ao seu oncologista conselhos sobre a vida que deveria levar para evitar uma recaída. “Não há nada de especial a fazer. Viva normalmente, e se o tumor reaparecer, o detectaremos bem cedo”, lhe teria respondido o especialista.
Inconformado, o autor decidiu compreender aquela doença que o afligia. Precisou de meses de pesquisa para começar a entender como poderia ajudar seu corpo a se armar contra o câncer. Participou de conferências nos Estados Unidos e na Europa, percorreu bases de dados médicos e dissecou publicações científicas. “Rapidamente percebi que as informações eram parciais e dispersas, e que não adquiriam a totalidade de seu sentido senão quando reunidas”, explica ele, no prefácio de seu livro.
O que a pesquisa de Servan-Schreiber tem de inovadora é dar aos nossos próprios mecanismos de defesa o papel central na luta contra a doença. “Eis o que aprendi: se todos temos células cancerosas dentro de nós, temos também um corpo preparado para frustrar o processo de formação de tumores. Compete a cada um de nós utilizá-lo”, afirma o médico.
Sua pesquisa revela que na Ásia, os cânceres que afligem o Ocidente – como o câncer de mama, do cólon ou da próstata – são de sete a setenta vezes menos freqüentes. Entre os homens asiáticos que morrem de outras causas que não seja a doença, contudo, encontram-se tantos microtumores pré-cancerosos na próstata quanto entre os ocidentais. Alguma coisa na maneira de viver deles impede que os tumores se desenvolvam.
Em compensação, ele explica, entre os japoneses instalados no Ocidente, a taxa de câncer alcançou a nossa em uma ou duas gerações. Alguma coisa na nossa maneira de viver impede que o nosso corpo seja capaz de combater eficazmente essa doença.
Dos anos 40 para cá, o ambiente está cada vez mais carregado de produtos químicos sintéticos notoriamente cancerígenos – amianto, benzina, pesticidas, entre outros. Além disso, a alimentação também mudou: consumimos mais açúcar (de cinco quilos anuais por pessoa em 1830 para 70 quilos em 2000) e mais gordura hidrogenada, muitas vezes sem nem perceber. O ômega 6, uma das piores gorduras que há, está presente nas rações servidas ao gado leiteiro e de corte e às aves de granja em quase todos os países do mundo. Pesquisas revelaram que em 2000, os ovos continham vinte vezes mais ômega 6 que em 1970.
Sem jamais duvidar do poder da medicina tradicional – que lhe salvou a vida – e depois de ter testado em si mesmo tratamentos experimentais recém-saídos das pesquisas de ponta, Servan-Schreiber explica que nós podemos estimular nossas defesas naturais contra esse mal, que “é mais uma questão de estilo de vida que de genes”.
O AUTOR
David Servan-Schreiber, 47 anos, é médico psiquiatra e professor da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e da Universidade de Lyon, na França. Sua tese de doutorado, orientada pelo vencedor do Prêmio Nobel Herbert Simon, foi publicada na prestigiada revista Science. O premiado neuropsiquiatra, um dos fundadores do Centro de Medicina Complementar em Pittsburgh, defende o valor da medicina ocidental tradicional aliado a práticas integradas de mente e corpo.
Também é autor do best-seller Curar (“Guérir”, em francês). Anticâncer vendeu mais de 300 mil cópias na França.
SELO FONTANAR
“Quando meu pai (Jean-Jacques Servan-Schreiber, acima) foi diagnosticado com Alzheimer, ele se tornou, por incrível que pareça, uma pessoa mais suave e tranqüila”
O psiquiatra francês David Servan-Schreiber, professor da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, ficou conhecido mundialmente em 2004, ao lançar o best-seller Curar. Aos 47 anos, ele decidiu falar publicamente do câncer no cérebro que teve aos 31. Foi durante uma experiência neurológica, em que se ofereceu como cobaia, que David descobriu, por acaso, que era portador de um tumor do tamanho de uma noz. Submetido a uma cirurgia e a sessões de quimioterapia, o médico venceu a doença, mas não abandonou os maus hábitos ? continuou a comer mal, a não se exercitar e a se deixar levar pelo stress. Com a recidiva do câncer, ele mudou radicalmente a forma de encarar e combater a doença. Essa virada é o tema de seu livro Anticâncer ? Prevenir e Vencer Usando Nossas Defesas Naturais (Editora Fontanar). David é o primeiro dos quatro filhos de Jean-Jacques Servan-Schreiber, jornalista, ensaísta e político francês. Fundador da revista L?Express, em 1953, que tinha entre seus colaboradores os escritores Albert Camus e Jean-Paul Sartre, Servan-Schreiber, morto em 2006 de complicações advindas da doença de Alzheimer, era um homem brilhante, bonito e charmoso ? tanto que era chamado de “Kennedy francês”. No livro, David conta que uma de suas maiores aflições foi dar a notícia da própria doença ao pai: “Escutando a voz dele, meu coração se apertou. Tinha o sentimento de que ia apunhalá-lo… Ele nunca se negara a entrar em nenhum combate, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. Mas, nesse caso, não haveria combate. Nenhuma ação militar. Nenhum artigo incisivo a escrever”. De Paris, ele deu a seguinte entrevista à repórter Anna Paula Buchalla:
A DESCOBERTA DO CÂNCER ? Diagnosticado com a doença pela primeira vez há dezesseis anos, fui tratado pelos métodos convencionais. Nove anos depois, no entanto, tive uma recaída. Decidi, então, pesquisar tudo o que era possível fazer naturalmente, sem recorrer a remédios, para ajudar meu corpo a se defender do câncer. Municiei-me de todo tipo de informação sobre a doença. Hoje, acho que todos os pacientes deveriam fazer o mesmo. Esse é, sem dúvida, o melhor caminho para que médicos e pacientes se tornem parceiros na condução de um tratamento. Infelizmente, ainda não me sinto curado. Em geral, meu tipo de câncer não desaparece. Mas, se eu mantiver o “terreno” saudável, eu e minhas células cancerosas continuaremos a conviver como bons vizinhos por um tempo ? talvez um longo tempo.
A EXPERIÊNCIA COMO PACIENTE ? Foi difícil aceitar que eu era simplesmente um paciente. Eu me agarrava como podia ao status de médico e ia às consultas de jaleco e crachá. Mas consegui perceber exatamente como se sente um doente. Muitas vezes tinha a sensação de que ninguém se interessava por quem eu era, como se todos só quisessem saber o resultado da minha última tomografia. Eu sempre me considerei o tipo de médico gentil e atencioso com meus pacientes, mas a doença me fez ver que meu comportamento estava muito longe do ideal. Depois disso, mudei radicalmente o modo de praticar a medicina.
O ENFRENTAMENTO DA MORTE ? Se há algo de bom em ficar cara a cara com a morte é que se compreende quanto a vida é preciosa. Esse enfrentamento mostra que não se deve desperdiçar a chance de contribuir de alguma forma para a existência dos outros ? é isso que fica depois que você vai embora. Apesar de conviver permanentemente com a ameaça de o tumor voltar, eu consigo levar uma vida normal. Na verdade, sinto-me muito mais saudável fisicamente e mais “normal” emocionalmente do que antes de saber que tinha câncer. O que eu fiz para mudar a minha vida me tornou uma pessoa mais equilibrada em todos os sentidos.
O PESO DO ESTILO DE VIDA ? Durante muito tempo, acreditou-se que o câncer era, sobretudo, uma questão de genética ? e um mal inevitável para quem está propenso a ele. O crescimento no número de casos da doença mostra que a influência dos fatores externos, como os hábitos de vida e o ambiente, é mais impactante na manifestação do câncer do que os genes. A genética é responsável por apenas 10% a 15% dos casos. Defendo a teoria de que todos temos um câncer dormindo dentro de nós. É nosso estilo de vida que vai ou não determinar seu desenvolvimento ? seja nutrindo as células cancerosas, seja alimentando os mecanismos de defesa do organismo que impedem a formação de um tumor. O diagnóstico de câncer, porém, não deve jamais criar um sentimento de culpa no paciente. Eu não me sinto culpado nem por um segundo por ter desenvolvido câncer. Eu não fazia a menor idéia de que estava exposto a tantos fatores pró-câncer na minha vida. E talvez eu nunca saiba quais deles foram os mais críticos. Mas conhecer os mecanismos biológicos anticâncer no meu organismo me dá força para enfrentar a doença.
A IMPORTÂNCIA DA DIETA ? A alimentação é um elemento-chave na luta contra o câncer ? o mais essencial deles, na minha opinião. Pode-se atribuir à dieta a razão principal para a expansão da doença. Nos últimos cinqüenta anos, houve três mudanças muito significativas em nossa alimentação: o aumento do consumo de açúcar refinado, a utilização de produtos químicos na fabricação dos alimentos, como corantes e conservantes, e a mudança do padrão alimentar de animais como vacas e frangos. O consumo de açúcar refinado, que em 1830 era de 5 quilos por pessoa, no ano 2000 chegou a inacreditáveis 70 quilos per capita. Atualmente, os ovos têm vinte vezes mais ômega-6 do que nos anos 70. Em excesso, esse tipo de gordura, usado na ração das aves, facilita o acúmulo exagerado de células adiposas.
AS FERIDAS PSÍQUICAS ? Nós estamos apenas começando a entender como os fatores psicológicos influenciam o surgimento de um câncer. Muitos pacientes com quem conversei se lembram de um stress emocional muito forte nos meses ou anos que precederam o diagnóstico de câncer. Certos acontecimentos são tão dolorosos que destroem a imagem que fazemos de nós mesmos ou minam a confiança que tínhamos em alguém. É o caso de alguns rompimentos amorosos. Algumas feridas psíquicas não cicatrizam sozinhas. É preciso encontrar formas de lidar com elas, pois essas feridas repercutem em todo o organismo.
MEDICINA TRADICIONAL X MÉTODOS ALTERNATIVOS ? Eu diria que o tratamento convencional salvou a minha vida, mas não me ajudou a prevenir a recorrência do câncer. A relação entre estilo de vida e câncer é tão estreita e evidente quanto a associação entre os hábitos cotidianos e as doenças cardiovasculares. O que me surpreendeu ao constatar isso foi o fato de que ninguém nunca havia me falado sobre tais evidências ? nem meus professores na faculdade de medicina nem meus próprios oncologistas. Opções de vida mais saudáveis, como meditação e alimentação equilibrada, foram e são cruciais para o fortalecimento de meu organismo contra a doença. Em minha opinião, tanto os recursos da medicina convencional como os métodos alternativos são indispensáveis e complementares.
O PAI ? Quando eu e meus irmãos éramos pequenos, meu pai fazia questão de jantar com os filhos. Por causa de sua vida pública, havia quase sempre convidados em casa e ele insistia para que nós, as crianças, nos sentássemos à mesa. Éramos estimulados a fazer perguntas e participar das discussões. Tenho certeza de que isso me ajudou quando chegou a minha hora de questionar as posições da medicina tradicional. Quando meu pai foi diagnosticado com Alzheimer, ele se tornou, por incrível que pareça, uma pessoa mais suave e tranqüila. Era terrível vê-lo roubado de suas capacidades intelectuais, mas havia também algo de belo quando ele, com um sorriso, dizia: “Finalmente, eu posso simplesmente ser quem eu sou”.
Entrevista com David Servan-Schreiber (Folha Sinapse – Folha de S. Paulo, 10/2003)
FERNANDO EICHENBERG
free-lance para a Folha de S. Paulo, de Paris
O neuropsiquiatra David Servan-Schreiber recebeu a Folha de S.Paulo em seu apartamento em Paris, onde falou sobre as idéias expostas no seu livro “Guérir”. Confira, abaixo, trechos da entrevista.
Folha – Segundo o sr., vivemos sob a tirania dos medicamentos psicotrópicos, receitados de forma abusiva para combater o estresse, a ansiedade e a depressão.
David Servan-Schreiber – Muitas pessoas tiveram a vida salva pelos antidepressivos. Hoje, eles provocam muito menos efeitos secundários que no passado. O que não é normal é o desequilíbrio com que são utilizados. Um francês em cada sete toma antidepressivo ou ansiolítico. Nos EUA, cerca de 10 milhões de americanos tomam antidepressivos. Isso é anormal. O lítio e outros medicamentos são muito eficazes. O importante é utilizá-los em casos legítimos e justificados. Essa medicina não reconhece que o corpo e o cérebro emocional têm sua própria capacidade de adaptação e reequilíbrio.
Folha – Em relação à psicanálise, o senhor chegou a dizer que, praticada seguidamente, é uma perda de tempo.
Servan-Schreiber – O que eu digo é que o objetivo da psicanálise não é curar. E foi Jacques Lacan [1901-1981] quem disse isso. Ele afirmou: “O objetivo da psicanálise é a compreensão de si mesmo, e a cura, quando ocorre, é um benefício em acréscimo”. Eu sou médico, e o que me interessa é a cura. Toda minha vocação e meu interesse pela medicina está em aliviar o sofrimento. É bastante presunçoso escrever um livro com o título “Guérir” [”curar”], mas me permiti fazê-lo porque a definição de cura é muito simples: quando os sintomas da doença desaparecem e não retornam. O que constatei —e está nos livros científicos— é que vi repetidamente pessoas serem curadas desses males por esses métodos naturais, e os sintomas não reapareceram. Então, pode-se falar de cura. Apresente-me um estudo sobre a psicanálise que mostre isso. Não conheço nenhum. Mas não se trata de dizer que a psicanálise é uma perda de tempo. Depende do que você quer.
Folha – Por que falar, hoje, da medicina de “autocura pelo corpo”?
Servan-Schreiber – Se eu corto o dedo e provoco uma ferida, em alguns dias ela estará cicatrizada, e logo nem saberei mais onde foi o corte. No cérebro emocional, temos os mesmos tipos de mecanismos de adaptação, de cicatrização, que podem ser aprendidos por métodos naturais. Passei 20 anos estudando o cérebro. Pude constatar a eficácia desses métodos naturais de tratamento, os quais nunca me foram ensinados na universidade. Quando constatei que esses métodos funcionavam, e ainda melhor se comparados aos métodos tradicionais que havia aprendido, resolvi falar deles. Mas não inventei nada. Tudo o que está no meu livro são métodos já citados na literatura científica.
Folha – O que é essa “nova medicina emocional”?
Servan-Schreiber – A idéia central não é minha, mas, sobretudo, de António Damásio, que é para mim o maior neurocientista do mundo. Nos seus livros, ele diz que as emoções são emanações de tudo que se passa no corpo. A emoção é a sensação percebida do estado da fisiologia. Não há nenhum sentido em separar as emoções do que ocorre no corpo. Se vamos até o fundo da tese de Damásio, devemos passar pelo corpo, pelo estado da fisiologia, para transformar e curar os problemas das perturbações emocionais. O controle da coerência cardíaca, a hipnose usando os movimentos oculares, a terapia pela luz e pela simulação do nascer do Sol, a acupuntura, a nutrição, o exercício físico e também a importância do afeto, tudo isso são formas para aprender a utilizar o cérebro emocional e entrar em conexão para colocar a fisiologia no seu estado ótimo. Eu pego as idéias de Damásio e as levo até o limite, coloco sua teoria em prática. Aliás, é o que ele mesmo diz.
Folha – Alguns dos métodos que o sr. prega foram modismo nos anos 60 e 70, período fértil em terapias alternativas e de difusão do ioga e da acupuntura. A que o sr. credita o sucesso de seu livro hoje?
Servan-Schreiber – A primeira razão está relacionada ao fato de que se ouviu muito falar desses métodos por pessoas que não tinham credibilidade científica. O que interessava ao público era ouvir alguém como eu, que comandou o serviço de psiquiatria num hospital de uma grande universidade ortodoxa de medicina convencional, falando sobre isso. A mensagem nova foi alguém assim dizer que há coisas na literatura científica que funcionam bem e não são utilizadas como poderiam. Outra razão está relacionada a um movimento planetário, em que as pessoas desejam uma indústria não poluente e que produza, mesmo assim. Elas desejam uma agricultura que as alimente, mas que não as envenene. E o mesmo vale para a medicina, que utilize as capacidades do corpo para se reequilibrar, e que seja uma medicina “ecológica”, natural.
Folha – Em resumo, seus métodos não trazem nenhuma novidade, mas a comprovação científica de técnicas já conhecidas.
Servan-Schreiber – A idéia de que se pode ser curado pela nutrição não é nova. Hipócrates já dizia isso. Acupuntura, nutrição, exercício físico, nada disso é novo. A coerência cardíaca é inspirada em tipos de meditação que datam de 5.000 anos. O novo é que começamos a ter estudos científicos que mostram que os métodos funcionam. Graças às novas técnicas de obter imagens do cérebro em atividade, começamos a entender como funciona a acupuntura, como certos pontos podem anestesiar o centro de ligação da ansiedade no cérebro. Isso é apaixonante. Na questão da nutrição, começamos a perceber no nível bioquímico a importância dos ácidos graxos ômega 3 na própria constituição das membranas neuroniais, no equilíbrio emocional e no controle das reações de inflamação no corpo. Isso é revolucionário. Sabíamos que a nutrição era importante, mas não com tanta precisão. O estudo sobre o papel dos animais de companhia no equilíbrio emocional data dos últimos cinco anos. Não é nenhuma novidade dizer que ter um gato ou um cachorro faz bem. Mas, sem os estudos científicos, não podíamos recomendar isso num dossiê médico no hospital. Por isso me senti capaz de colocar tudo num livro, com argumentos que pudessem convencer os leitores. Os estudos científicos são novidade, mas a maioria dos conceitos são antigos.
Folha – E quanto à coerência cardíaca?
Servan-Schreiber – A noção de coerência cardíaca é nova. Há uns 15 ou 20 anos compreendemos a importância da variabilidade do ritmo cardíaco em cardiologia. Mas sua compreensão no controle das emoções, sua importância para o controle do cérebro, começou a ser compreendida há cinco anos. Data de milênios a idéia de que se pode controlar o corpo pela respiração e pela concentração. Os budistas, por exemplo, compreenderam isso há 2.500 anos. Mas compreender como ela atua e precisar como se pode fazer isso da forma mais eficaz possível é que é novo.
Folha – O tipo de hipnose citado, que trabalha com a reprogramação dos movimentos oculares, pode realmente ajudar a resolver problemas emocionais?
Servan-Schreiber – A idéia de que se pode utilizar o movimento dos olhos e focalizar no corpo para estimular os mecanismo de digestão dos traumas emocionais foi inteiramente desenvolvida por Francine Shapiro, na Califórnia, em 1982. Há 14 estudos devidamente testados que provam esse método, recomendado por instituições médicas em vários países. O método foi aceito pelos ministérios da Saúde da Inglaterra, da Irlanda e de Israel. Mas ainda é algo bastante controverso. Há muitas pessoas que, apesar dos estudos científicos, não querem acreditar que funciona, porque não entendem como funciona.
Folha – O senhor diz que os Estados Unidos destinam anualmente US$ 115 milhões para experimentação e avaliação desses métodos. Há um grande atraso nessas pesquisas nos demais países?
Servan-Schreiber – A França é um caso particular, porque o público é extremamente aberto, e as instituições, extremamente conservadoras. Há uma tensão incrível. Era o caso nos EUA, e foi preciso um grande esforço para chegar aonde se está hoje. Foram os parlamentares que obrigaram o Instituto Nacional de Saúde americano a criar um centro de pesquisas sobre as medicinas complementares. Depois, a coisa decolou. Nunca houve um aumento de orçamento tão rápido. Começou com US$ 1 milhão por ano, em 1992, para chegar a US$ 110 milhões, em 2002.
Folha – O senhor relata no livro experiências realizadas em empresas. Existe algum programa de utilização desses métodos nas escolas?
Servan-Schreiber – Sei que existe um projeto em estudo pelo Ministério da Educação da Grã Bretanha envolvendo cerca de 40 mil alunos, para ensiná-los a praticar a coerência cardíaca para melhor administrar suas emoções e suas próprias capacidades de concentração. Por enquanto, ainda é um projeto piloto.
Folha – Suas teses têm provocado polêmica na comunidade científica?
Servan-Schreiber – Até agora, não houve um verdadeiro debate na França. Na Suíça, há neurologistas e psiquiatras que discordam das minhas teses. Fico extremamente contente com esses debates. A principal crítica que recebo é do tipo “se tudo isso fosse verdade, todos saberiam”, e não aceito esse argumento. Tudo já é sabido, está escrito nos livros científicos, mas o problema é que há pouca motivação para desenvolver essas técnicas. Não se pode patenteá-las, pois são técnicas naturais. Ninguém poderá patentear os peixes que têm ômega 3, o controle da respiração, a acupuntura, os exercícios físicos, o afeto, a luz, a hipnose. Portanto, não se poderá ganhar dinheiro com essas patentes, o que é uma motivação a menos. Em segundo lugar, todos esses métodos exigem muito mais tempo do médico do que escrever uma prescrição de Prozac, que leva dois minutos.
Folha – O seu discurso, por vezes, assemelha-se a aforismos budistas.
Servan-Schreiber – Gosto bastante da expressão “mind-body medicine” [”medicina do corpo e da mente”]. Ela define a integração do que existe de melhor na medicina convencional com o que funciona nessa medicina que utiliza as capacidades de autocura do organismo. Mas não é preciso se tornar um budista. Estive recentemente num debate com o dalai-lama [líder espiritual do budismo tibetano], em Boston, e ele disse ao final de sua conferência: “Você não precisa crer na reencarnação, no nirvana ou nas divindades budistas. Comece simplesmente tendo mais emoções positivas do que negativas e a concentrar seu espírito e sua atenção nisso. Já assim você começará a ser um ser humano muito mais evoluído”.
Leia trecho do livro Sete Passos para Curar – Guia Prático da Nova Medicina das Emoções, de David Servan-Schreiber
Carta aos leitores de CURAR
Caras leitoras e caros leitores,
Antes de mais nada, quero agradecer o apoio que deram a meu livro. Com ele, é uma nova medicina das emoções que vocês apóiam. E eu não esperava tamanho entusiasmo por idéias ainda estranhas aos modos de pensar habituais.
O sucesso do livro, que se deve a todos vocês, vem dessa abertura de espírito, da curiosidade que demonstraram, do desejo de explorar novos caminhos. Reconheço-me em cada um desses traços, mas não sabia que somos tantos a compartilhá-los. Para mim, é um sinal bastante encorajador de que, juntos, consigamos talvez fazer com que as mentalidades evoluam. Sinal de que, talvez, possamos levar nossas instituições científicas e médicas a investirem suas pesquisas também nesses novos e fascinantes campos.
Muitos de vocês me escreveram. Recebi, a cada semana, mais de 100 cartas. Essa confiança envaidece-me e me encoraja. Várias dessas mensagens me contam um sofrimento, uma dor, pessoal ou de um próximo, e pedem ajuda. Cada um desses relatos me interpela e sinto realmente vontade de ajudá-los. Porém, me é impossível fazer frente a solicitações tão numerosas (mesmo se é tão difícil dizer “não”…). Não recebo mais nenhum paciente, conservando o pouco do tempo que me resta para aqueles que já estavam em tratamento comigo antes da publicação de CURAR. Quero, sobretudo, reservar meu tempo para escrever e para formar novos terapeutas, que poderão dar continuidade em escala bem maior aos métodos expostos no meu livro.
Creio que somos testemunhas de uma vaga profunda que atravessa todas as sociedades ocidentais: uma demanda, vinda de cada um, e em todos os lugares, por uma indústria que respeite o meio-ambiente, por uma agricultura que respeite a terra e, agora, também por uma medicina que respeite as capacidades que tem nosso corpo de recuperar seu próprio equilíbrio. São vocês os verdadeiros agentes dessa transformação social, e fico feliz em fazer parte daqueles que podem ajudar a canalizar toda essa energia.
Estabeleci para mim mesmo, como prioridade, a tarefa de tornar os métodos de CURAR acessíveis ao maior número de pessoas. Isso me conduziu ao ensino, para perto de colegas médicos, psicólogos e psicoterapeutas. Mas levou-me ainda a ações de ordem mais “política”, junto às agências governamentais e aos decididores de toda espécie, tanto na França quanto nos Estados Unidos, onde ainda leciono. E, talvez já tenham ouvido falar, comprometi-me também em tornar disponível um complemento alimentar Ômega-3 cuja concentração e pureza correspondam ao que foi testado nos estudos científicos da psiquiatria. Como esse tipo de complemento não é patenteável (não se pode patentear o peixe!), nenhum indústria farmacêutica julgou rentável engajar-se nesse campo. Orgulho-me de ter conseguido fazer com que esses complementos Ômega-3, da melhor qualidade e pureza possíveis, possam hoje ser encontrados em qualquer farmácia. Mas tudo isso demandou tempo e exigiu esforços consideráveis que me desviaram de uma conexão mais estreita com todos vocês.
Esses importantes passos devem-se às decisões de grandes agências institucionais, no Reino Unido, nos Estados Unidos e na França:
1. Um relatório do governo do Reino Unido demonstrou que 70% dos antidepressivos receitados jamais deveriam ter sido utilizados. Foram prescritos para depressões consideradas “menores ou moderadas” para as quais, segundo esse relatório, seria recomendável utilizar primeiro métodos mais “naturais”, antes de pensar em receitar medicamentos cujos efeitos secundários parecem cada vez mais claros para a comunidade médica científica.
2. Em seguida, a prescrição de antidepressivos para as crianças (à exceção do Prozac) foi proibida no Reino Unido e é alvo hoje de restrições consideráveis nos Estados Unidos. Com efeito, ficou comprovado que, no caso das crianças, os benefícios que esses medicamentos trazem não são (ou são apenas em proporção mínima) superiores aos de um placebo. Sabe-se também que provocam um aumento significativo do risco de suicídio. Isso, naturalmente, fez com que médicos e psiquiatras se sentissem um tanto desamparados, pois não aprenderam em sua formação a utilizar métodos alternativos aos medicamentos. Mas, ao mesmo tempo, isso também criou um ambiente bastante propício à incorporação, pela medicina convencional, de alternativas naturais e eficazes.
3. Por fim, o método de Dessensibilização e Reprocessamento pelo Movimento Ocular, o EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing), foi reconhecido oficialmente, na França, como um método de tratamento eficaz (pelo relatório da comissão do INSERM٭ concernente às psicoterapias) e, mais recentemente, também nos Estados Unidos (por um relatório da prestigiadíssima American Association of Psychiatry, cuja influência abrange o mundo inteiro).
Graças, em parte, a esses desenvolvimentos todos, a psiquiatria convencional começa a abrir verdadeiramente seus horizontes às novas idéias. Em todos os lugares, inicia-se um debate em torno daqueles métodos de que eu falava em CURAR. Seu reconhecimento oficial permitiu também estimular novos projetos de pesquisa. De fato, são as pesquisas que farão com que uma abordagem mais natural da medicina penetre realmente no interior das instituições médicas.
Mas é verdade também que cada um de vocês, conversando com seu médico ou com seu terapeuta a respeito do EMDR, de coerência cardíaca, da acupuntura, de exercício físico ou do Ômega-3, contribuiu grandemente para difundir a mensagem. Vocês fizeram ouvir o desejo manifesto por uma medicina ao mesmo tempo mais humana e mais racional, uma medicina que saiba utilizar as capacidades intrínsecas de nosso corpo e de nosso cérebro a se curarem por si mesmos.
Para concluir essa breve introdução, aprendi recentemente que a palavra que designa, em chinês antigo, “O Pensamento” é composta por dois caracteres: aquele do “Cérebro” (em cima) e aquele do “Coração” (em baixo). Eu o ofereço aqui a todos vocês, com votos de harmonia entre seu cérebro e seu coração.
Com um abraço,
David Servan-Schreiber
QUESTÕES GERAIS
Q.: O senhor conhece médicos clínicos que utilizam as técnicas descritas em CURAR? Infelizmente, na França ainda não. No centro de medicina complementar que eu dirigia na universidade de Pittsburgh, reunimos médicos, psicoterapeutas, acupunturistas, nutricionistas que compartilhavam a mesma filosofia e organizavam avaliações e programas de tratamento completos. Espero, finalmente, ajudar a instalar esse mesmo tipo de centro clínico na França. Enquanto isso, recomendo a todos que organizem seu próprio tratamento, em parceria com as recomendações de seu médico ou de seu psiquiatra.
Q.: Os métodos recomendados em CURAR são compatíveis com um tratamento convencional? Os métodos descritos em CURAR são todos absolutamente compatíveis com um tratamento convencional e não exigem, de modo algum, que este seja interrompido, nem modificado. Eu mesmo muitas vezes tratei com o EMDR (Método de Dessensibilização e Reprocessamento pelo Movimento Ocular) pacientes que seguiam sua psicanálise com outro terapeuta ou que usavam medicamentos prescritos por seu psiquiatra.
Q,: Como, concretamente, começar um tratamento? Se você acha que o EMDR lhe trará benefícios, sugiro que procure um terapeuta com um certificado de “Clínico EMDR”, fornecido pela Associação EMDR-Europa. É uma garantia de que o terapeuta tenha seguido uma formação completa e participado de um ciclo de supervisão sob a égide de um clínico mais experimentado.
No que diz respeito à coerência cardíaca¸ ainda muito recente na Europa, só posso recomendar que acompanhe cursos de Hatha Yoga – método multimilenar que utiliza técnicas respiratórias e de concentração que levam a um estado fisiológico do corpo comparável àquele descrito em CURAR.
Cabe a você, em seguida, modificar seu regime alimentar para reequilibrar a relação Ômega-3/Ômega-6 e reduzir as gorduras animais saturadas. Voltarei adiante aos suplementos Ômega-3.
Cada qual pode escolher seu próprio programa de exercício físico, conforme às recomendações gerais retiradas da literatura científica e que eu enuncio em CURAR. Você pode também providenciar uma lâmpada de simulação da aurora para despertar de modo mais natural e ajudar a estabilizar seus ritmos biológicos.
Enfim, cada um deve, do meu ponto de vista, preocupar-se em administrar melhor os conflitos – quer sejam profissionais ou pessoais. Uma das melhores maneiras de progredir neste campo é formar um grupo de reflexão com amigos ou próximos para que possam exercitar-se em conjunto aplicando os métodos SPA-CEE e Perguntas de ELFE. É, aliás, o que eu mesmo faço regularmente, com alguns amigos, para continuar bem “centrado” nessa abordagem das relações humanas.
Q.: É possível beneficiar-se de seus métodos sem gastar muito? Infelizmente, os métodos que descrevo em CURAR não são ainda – a grande maioria deles –, na França, reembolsáveis pela Seguridade Social, ficando portanto reservados àqueles que podem pagar por sua saúde. É um estado de coisas que me parece inaceitável e faço o que posso para mudá-lo. Quanto mais se avolumam os estudos científicos que demonstram sua eficácia (como é o caso do EMDR, mas também da nutrição e dos Ômega-3, ou ainda da coerência cardíaca), mais fácil será incorporar essas abordagens à oferta reembolsável da medicina convencional.
Nesse entretempo, o Instituto Francês de EMDR que coordeno e que é responsável pelo ensino do EMDR na França forma gratuitamente alguns terapeutas que trabalham exclusivamente em meios desfavorecidos, de modo a permitir que pratiquem o EMDR junto a seus pacientes. Todos os terapeutas interessados nessa possibilidade podem entrar em contato com o programa humanitário da associação francesa de EMDR, no site da internet www.emdr-france.org.
É possível também começar a praticar alguns dos métodos descritos em CURAR sozinho – como o despertar com a aurora natural, a coerência cardíaca, o exercício físico, a mudança alimentar ou a comunicação emocional –, e eu recebo com freqüência testemunhos de leitores que começaram a praticá-los por conta própria e constataram notáveis transformações em suas vidas.
Q.: O senhor aconselha outros livros? Existem outros métodos que lhe interessam? Sempre me interesso por novas abordagens. Decidi, porém, consagrar meu tempo e minha energia a fazer avançar essas que já conheço bem, cujos efeitos estão demonstrados e que, ainda assim, continuam a não ser utilizadas o suficiente, principalmente porque não podem ser patenteadas e, portanto, não provocam interesse econômico capaz de impulsionar sua introdução na medicina convencional.
Q.: Poderia indicar um método simples de meditação que melhore o funcionamento do Qi? Segundo a medicina tradicional chinesa ou tibetana, todos os métodos de meditação facilitam o funcionamento do Qi. O método que focaliza unicamente este aspecto chama-se o Qi Gong (pronunciar “Tchi Gong”).
Q.: A música, ouvida ou praticada, pode ajudar no caso de depressão?
Claro! Embora haja poucos estudos a esse respeito (isso não dá patente e, sem patentes em vista, sem dinheiro para pesquisas…), inúmeros pacientes relatam como o fato de ouvir música pode ter um efeito poderoso sobre seu humor. Acho que é certamente ainda mais eficaz quando você próprio toca um instrumento, sobretudo em grupo, se possível, para estimular nosso cérebro emocional nos momentos de desencorajamento e pô-lo em fase com os ritmos e as melodias da vida que passa em nós e à nossa volta. Nos Estados Unidos, participei várias vezes de “drum circles” (“círculos de percussão”), nos quais várias pessoas que mal sabiam bater num tamborim aprendiam a tocar ritmos diferentes que se transformavam em verdadeira melodia quando o grupo encontrava seu equilíbrio. Não há dúvida alguma que esses são momentos particularmente exaltantes e que nos lembram a força de nossa conexão com os outros. Escrevi, a respeito dessa experiência, uma crônica para Psychologies, que pode ser consultada no link http://www.psychologies.com/chroniques.cfm/ chroniqueur/5/1/David-Servan-Schreiber/index.html (crônica de novembro de 2004: “A música também cura”).
1 COMUNICAÇÃO EMOCIONAL
Q.: Poderia dar alguns conselhos que ensinem a se autocontrolar no caso de situações de conflitos profissionais? A primeira coisa a fazer é inspirar, por meio de duas grandes respirações, lentas e profundas, e em seguida começar a expirar o stress, antes de reagir. Lembrar, depois, que os conflitos são inevitáveis, mas não seu envenenamento, provocado por nossas próprias reações, muitas vezes exageradas ou até mesmo violentas.
Q.: Qual a diferença entre antidepressivo e neuroléptico? Os neurolépticos bloqueiam o estímulo de certas zonas do cérebro pela dopamina. São utilizados principalmente nos distúrbios do pensamento (alucinações, delírios, paranóia) e, às vezes, para acalmar um episódio maníaco ou uma hipersensibilidade ao julgamento alheio. Os antidepressivos, por sua vez, aumentam esse estímulo por neurotransmissores, como a serotonina, a noradrenalina e, em alguns, também a dopamina. Têm menos tendência que os neurolépticos a reduzir a percepção e as sensações. Também revelam menos efeitos secundários a longo prazo.
Q.: Seus métodos são adaptados aos distúrbios bipolares? Os distúrbios bipolares parecem ter uma base biológica e genética mais profunda que as depressões não-bipolares. Todavia, é certo também que os episódios de depressão ou de mania dos distúrbios bipolares são muitas vezes provocados por um período de stress mal administrado e mal vivido. Na medida em que os métodos de que falo em CURAR tornam-nos mais resistentes ao stress, eles também reduzem, consequentemente, a probabilidade de recaídas para quem sofre de uma doença bipolar. Recomendo porém aos pacientes bipolares que continuem a tomar um estabilizador de humor, como o lítio ou o depakene, de eficiência já comprovada na prevenção das recidivas e que são em geral bem tolerados.
Q.: Suas técnicas podem ser utilizadas para dores crônicas? No centro de medicina complementar de Pittsburgh que eu dirigia, utilizávamos frequentemente a meditação (ou a coerência cardíaca) e a acupuntura como métodos de auxílio no tratamento das dores crônicas. O EMDR pode também ser útil quando as dores têm por origem um acontecimento que pode ter sido psicologicamente traumático (como um acidente de carro ou uma violência sexual).
Q.: Seu método pode resolver, ou ajudar a resolver, uma depressão ligada não a um evento traumático particular, mas à dupla influência da hipersensibilidade aos acontecimentos e a uma infância difícil? No caso de uma infância difícil e de traumatismos emocionais reiterados, o EMDR muitas vezes é eficaz, mas exige um período necessariamente mais longo de tratamento (em geral de 6 meses, ou ainda mais tempo).
Q.: Pode-se de fato substituir os antidepressivos pelos ÔMEGA-3 e pelas caminhadas? Os estudos disponíveis sugerem que a caminhada é tão eficaz quanto um antidepressivo moderno (inibidor da re-captura da serotonina) e que, um ano depois do fim do tratamento, as recidivas são 4 vezes menos freqüentes. É bastante provável, todavia, que, nesses estudos, os sujeitos que melhoraram com a prática da caminhada tenham continuado a exercitá-la por conta própria ao passo que aqueles que usaram com proveito o antidepressivo muito provavelmente interromperam o tratamento.
Até agora, os trabalhos referentes aos Ômega-3 sugerem que eles são eficazes em sujeitos cujos sintomas de depressão resistiram a vários antidepressivos sucessivos enquanto continuam a usar o último daqueles com que começaram o tratamento. Não dispomos ainda de estudos que permitam afirmar com certeza que um antidepressivo que se revelou eficaz possa ser completamente substituído por um suplemento alimentar de Ômega-3.
Q.: Pode falar um pouco mais a respeito das depressões “hereditárias” fisiológicas, às quais fez apenas breves alusões em CURAR? A depressão pode muito bem possuir um componente hereditário, sobretudo quando um dos pais sofreu de depressão severa (ou outra doença psiquiátrica) necessitando de internação hospitalar. Em alguns desses casos, os antidepressivos (ou outros medicamentos psicotrópicos) são às vezes absolutamente indispensáveis. Todavia, é importante, mesmo quando os medicamentos são obviamente úteis, utilizar toda a capacidade de resiliência do cérebro emocional para maximizar seus efeitos. Não há nenhuma contradição em utilizar, ao mesmo tempo, a coerência cardíaca, o EMDR, o exercício físico, a acupuntura, ou tomar os Ômega-3. Nem em acordar com a luz do nascer do sol (simulada ou não) ou cuidar de bem administrar suas relações afetivas. Muito ao contrário.
Q.: Vi na Internet que existe um legume, chamado atmagupta, utilizado pela medicina ayurvédica para tratar o mal de Parkinson. Este legume contém levodopa. Conhece este tipo de tratamento natural para a doença? Saberia onde encontrar esse legume? Não conheço esse legume. A Levodopa é um precursor da dopamina, neurotransmissor cruelmente ausente naqueles que sofrem do mal de Parkinson. É portanto bem possível que qualquer fonte nutricional desse precursor importante seja útil no combate à doença. Todavia, a prescrição da Levodopa como medicamento é geralmente acompanhada de um inibidor da enzima que torna a Levodopa particularmente inativa antes que possa ser transformada no cérebro em dopamina. Seria preciso, portanto, muito provavelmente, ingerir grandes quantidades desse alimento – se ele for realmente eficaz – para obter um efeito sobre a dopamina do paciente.
A tirosina, um ácido aminado que se encontra facilmente nas parafarmácias sob a forma de complemento alimentar, é outro precursor da dopamina às vezes bastante útil àqueles que sofrem do mal de Parkinson (deve-se tomá-la duas vezes ao dia, 2000 mg, 45 minutos antes de uma refeição). Não conheço relato de efeitos secundários.
Q.: Ao exercício, então, David! Mas, vamos reconhecer, é muito chato fazer exercícios. Você, porém, afirma: “não é preciso muito”… Sim. Por sorte, não sou quem diz, ou não acreditariam em mim, necessariamente! São os estudos que o afirmam, e é isso que é fascinante. Pesquisas recentes realizadas na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, demonstraram que, para a depressão, por exemplo, o exercício físico, 3 vezes por semana, 30 minutos a cada vez, é tão eficaz quanto tomar um antidepressivo.
Q.: Mas, 30 minutos de que? Salto de vara, crawl intensivo…? Isso depende da idade das pessoas. Mas, num dos estudos em que os sujeitos tinham entre 50 e 77 anos, simplesmente eles faziam 30 minutos de marcha rápida. Quer dizer que…
Q.: Nem correr? Nem correr. Caminhavam ao ar livre. Mas é preciso andar rápido. Dizem que o que é preciso conseguir, e não necessariamente a primeira vez, é encontrar um ritmo em que se pode conversar, fazendo o exercício, mas não cantar.
Q.: E isso cura? Sabe-se, agora, que isso é de fato eficiente.
Q.: Em quanto tempo? Três meses? Três anos? Não, isso leva… Nos estudos já realizados notou-se que em 6 semanas os efeitos eram notáveis e que no final de 4 meses obtinha-se o mesmo efeito de um antidepressivo. É um pouco mais lento que um antidepressivo. Um antidepressivo leva mais ou menos duas semanas para fazer efeito e, com os exercícios, é preciso esperar entre 2 e 6 semanas antes de notar uma real diferença. Mas, sentimo-nos melhor desde o início, porque nosso corpo foi estimulado.