Apreciaria deixar registrados “in
memoriam” três fragmentos sobre o amigo
de longa data, versam sobre a pessoa, sua integridade, competência, rigor e
generosidade intelectual.
1° – Certa vez em Petrópolis,
conversando sobre o campo da psicoterapia, sobre temas como o pragmatismo, o
contexto da descoberta e da validação, a filosofia da ciência, a pseudociência…
Da mesma forma que W. A. Mozart tinha uma capacidade de resposta musical
imediata, Helmuth desferiu uma colocação tão precisa quanto esta a seguir que
extraí de um artigo de sua autoria; assim evito qualquer distorção mnemônica.
“Tornar pública a base científica das
psicoterapias possibilita às pessoas, de modo geral, a obter um conhecimento
que pode ser bastante útil acerca delas mesmas, dilatando a sua autonomia
subjetiva, que é baseada no saber, no pensar e, nessas condições, a decidir com
maior probabilidade de sucesso. Sendo a nossa liberdade pessoal assim ampliada,
podemos, de um lado, rejeitar explicações inconsistentes e pseudocientíficas
para nossos processos psicológicos e, de outro, dispondo de crenças
cientificamente fundamentadas, exercer algum controle de estados psicológicos
que nos sejam desfavoráveis”.
Honestidade
intelectual, conhecimento profundo, consistente e amplo, e um interesse social
e pedagógico contagiante… Quando percebia que a mensagem havia sido captada
seus olhos azuis brilhavam de satisfação como se dissessem “mais uma missão
cumprida”.
2° – Pergunta
um entrevistador para Helmuth: você observou a psicologia no Brasil florescer e
se modificar ano após ano e ainda hoje permanece publicando, ensinando e
orientando alunos. O que o motiva a prosseguir o seu trabalho?
“Eu
poderia dissertar sobre o significado desta pergunta, mas se assim viesse a
proceder certamente iria compor uma resposta monótona, por ser muito pessoal.
Assim, com o objetivo de abreviar a resposta, observo apenas que concordo com a
declaração de Johann Heinrich Pestalozzi (1746 – 1827), inserida em sua obra
“Aforismos sobre o Homem”: “Aquele que sabe e não ensina é o pior pecador de
todos”. Acrescentaria apenas: “aquele que (racionalmente baseado) supõe
saber”….
Este era o nobre e lúcido amigo Helmuth,
preciso com o uso das palavras, sempre alinhadas com um raciocínio impecável,
uma forma de pensar elegante e uma generosidade ilimitada para com aqueles que
genuinamente queriam aprender e o consultavam.
3° – Um amigo que foi seu aluno ( R. Salles) , competente profissional, residindo em outro país, quando soube de sua morte enviou-me um áudio… Transcrevo alguns pontos com os quais concordo inteiramente…
“Ele era uma pessoa impressionante…
Parecia que vivia o que ensinava… A parte da ética… Principalmente com os
farsantes intelectuais… Ele era inclemente com estas pessoas, era um paladino
intelectual!”.
Muitas questões que assolam o século XXI, como esta pandemia
causada pelo vírus Covid -19, assim denominado por determinação da OMS¹, evidentemente, são provenientes de processos
históricos, psicossociais, econômicos e políticos que já eram passíveis de ser
notados no século anterior.
Quanto as reflexões e orientações da psicologia clínica que
aqui serão expostas, estas giram em torno do entendimento de que em quaisquer
das inúmeras abordagens sistêmicas (psicanálise, behaviorismo, existencialismo
e cognitivismo, para resumir) existem parâmetros e protocolos comuns, mesmo que
com terminologias diferentes.
Algumas reflexões impressas em árvores… Um tesouro que teme tesouras e água!
Alguns destes parâmetros se referem a acolhida do cliente,
ao bom relacionamento com este (rapport), o que permite transmitir e gerar
segurança diante do entendimento de sua situação (diagnóstico diferencial), e
com isto sinalizar estratégias em prol de soluções saudáveis (o bom
prognóstico).
Nos dias atuais, após os inúmeros congressos sobre a
evolução da psicoterapia, se pode asseverar que a metáfora usada por M. H.
Erickson sobre o trabalho terapêutico se aplica a todas as abordagens
sistêmicas… Tal metáfora se refere ao entendimento de que o cliente, seja
este um indíviduo, um casal, uma família, ou um grupo de pessoas, pode ser
entendido como uma planta em um solo…
Portanto, ao se cuidar da planta se deve prestar atenção ao solo em que está; a
qualidade, nível, e a quantidade, grau,
de seus nutrientes.
Embora se possa criar estratégias ou abordagens específicas
para cada cliente diante de tal entendimento, não se pode menosprezar as
influências do solo, e é justamente neste sentido que a psicologia social, a
história e as demais áreas já citadas no primeiro parágrafo se fazem
necessárias para uma compreensão abrangente dos reflexos do solo na planta.
Em um estudo sobre a relevância da “psicologia social frente
ao poder e ao controle da destrutividade” ² foi possível se investigar sobre os
armamentos, isto por volta da década de 80… Constatou-se que muitas ameaças
pairavam no ar, desde as armas nucleares até as igualmente letais armas
químicas e biológicas. A trinca de gases neurotóxicos, sarin, soman e tabun,
assim como certos venenos e armas biológicas com poder devastador mostravam a
necessidade de controle extremo sob pena de se promover um caos social sem
precedentes.
Não se está com isto afirmando que houve uma intenção em se
liberar um agente bélico biológico, mas sim que tais cenários já foram e são
estudados, faz tempo, por inúmeras agências de pesquisa militares e conexas.
Tendo gerado uma onda de filmes neste sentido, como “Epidemia”, “Fuga”, Dia dos
mortos”, etc.
Dados
sobre os armamentos e os filmes podem
ser encontrados num rápido passeio, hoje em dia,pelo Google, mas não é este o
propósito aqui.
Mas,
além de filmes produzidos na década de 90, todos devem lembrar do ato de terrorismo perpetrado por membros do culto apocalíptico chamado Aum
Shinrikyo em 20
de março de 1995…Em cinco atentados coordenados, os
autores liberaram o gás
sarin em várias linhas de
metrô de Tóquio, matando doze pessoas, ferindo
gravemente cinquenta e mais ligeiramente 6.000 pessoas.
Então,
retornando ao entendimento anterior
sobre protocolos- padrão em todas as formas de psicoterapia, seria importante
um entendimento dos processos que ocorrem durante situações de stress, que H.
Selye chamava de síndrome de adapatação geral.
Quando ocorre um estímulo, seja este qual for, o organismo
entra em alerta (primeira fase). As funções da percepção (adaptação,
defesa, vigilânica e predição) fazem o seu papel, observando que tipo de ação
deve ser tomada. Se estamos estudando e começa a chover, prestamos atenção na
chuva e somos informados por nossos sensores e por nossa mente que nada precisa
ser feito, talvez apenas fechar uma janela, mas podemos continuar estudando. Na
medida que a chuva continua ela passa para um segundo plano, ou seja, o foco
está no estudo. Mas, para o foco estar no estudo precisaremos nos “desligar” do
ruído da chuva. Tecnicamente, precisamos dissociar do estímulo. Porém, ele
continua lá, o ruído da chuva.
Então, se entra numa segunda
fase da teorização de H. Selye sobre o stress, a fase de resistência…
Para se entender o mecanismo por trás de síndromes como o “burnout” é preciso
entender que embora você esteja estudando, você está resistindo ao ruído da
chuva.
Para uma maior compreensão… Substitua o barulho da chuva
por um panelaço ou pelo som altíssimo da festa no play abaixo de sua janela…
Se você está estudando para uma prova naquela semana certamente irá perceber o
tremendo cansaço proveniente de tentar manter o foco nos estudos, e logo
chegará a uma terceira fase, a exaustão…
Sons e etc
Nesta fase, em geral o organismo para, desistimos de estudar
e verbalizamos isto… “Não aguento mais, estou exausto!”
Quando se insiste, por razões de personalidade e/ou necessidade se pode chegar a uma quarta
fase, a morte, a falência geral do organismo.
Luganus e seu Ômega Capuz
Logo, diante das notícias sobre a pandemia e sobre tantos
outros aspectos da vida³ temos que manter o foco, isto não signfica que não
está havendo um desgaste proporcional aos estímulos que estamos suportando de
forma dissociada. É como varrer a poeira para baixo do tapete, ela ficou em
segundo plano mas está lá, produzindo contaminações, hormônios como cortisol.
O que fazer diante disto? A recomendação é se fortalecer,
aquilo que se convencionou chamar de resiliência. A metodologia que aqui
será exposta, para simplificar, é uma fusão de recursos provenientes da
psicologia oriental e ocidental, uma fusão de técnicas das duas vertentes.
O tubarão concordou em participar da brincadeira pictórica
Resiliência é possuir energia
para enfrentar crises, traumas, perdas, graves adversidades, transformações na
vida (traições, separações), rupturas e desafios, elaborando as situações e
recuperando-se para seguir em frente.
O termo é usado há mais de 30 anos pela psicologia, porém o
conceito ganhou popularidade depois do ataque terrorista ao World Trade Center,
nos EUA, em 11 de setembro de 2001.
Water men
Após a tragédia, o governo distribuiu cartilhas às pessoas
envolvidas com o acidente para ensiná-las e estimulá-las a retomar a vida,
superando o trauma.
Resiliência e resistência são conceitos
próximos, mas há diferenças, pois a pessoa resiliente vai além da resistência…
Além de suportar a pressão aprende com as dificuldades e os desafios,
utiliza-os como feedback e usa sua flexibilidade para se adaptar e sua
criatividade para encontrar soluções alternativas, novos caminhos.
Portanto, como o stress faz parte da vida, assim como a
agressividade, e assim como esta se diferencia da destrutividade, o “distress” seria
o mal stress e para lidar com ele alguns pontos são fundamentais…
Primeiro, se deve entender que as supra renais4 são as glândulas que recebem
o impacto do stress, logo, beber muito líquido é sempre importante, de
preferência água, água de coco, chás claros ou sucos coados. Tomou um susto,
beba mais água.
Junto com este hábito saudável de ingerir água, a prática
diária de exercícios, em particular do que se convencionou chamar de exercícios de respiração para a coerência
cardíaca deve fazer parte da rotina das pessoas.
Tais exercícios têm a função de aumentar o poder do sistema
psiconeuroimunológico.
Exemplificando um deles. Inspire e faça uma contagem mental,
isto será “x”.
Retenha 3x, assim se você contou 3, se x= 3, 3x=9.
E na expiração, você conta 2x, ou seja, seis.
Inspira, x, retém, 3x, e expira, 2x.
Faça isto três vezes seguidas, pela manhã. Ou sempre que
precisar ou quiser.
Isto irá “alinhar” o teu sistema nervoso autônomo, o
ortossimpático e o parassimpático, levando ao estado de coerência cardíaca, o
que fortalece o teu sistema imunológico.
O momento portanto, requer calma e fortalecimento do sistema
imunológico e para se obter isto é fundamental dar atenção ao próprio corpo
começando com as práticas de respiração, a alimentação saudável, muita ingestão
de água, exercícios fisícos… Como dizia o monge Thich Nhat Hanh “Como tu amas
a ti mesmo?… Em primeiro lugar, inspire! Com toda a tua mente e perceberás
que tem um corpo.”
No link abaixo poderão assistir a palestra integralmente.
Uma mensagem fundamental.
Em 20/03/2020
Professor.
Celso Lugão da Veiga (supervisor em psicoterapia estratégica – IP- SPA- UERJ)
Notas
¹ A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que o nome
oficial da doença causada pelo novo coronavírus passará a ser Covid-19.
“Agora temos um nome para a doença e é Covid-19”, disse o chefe
da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, a repórteres em Genebra.
Segundo a
OMS, a palavra coronavírus refere-se ao grupo de vírus ao qual pertence, e não
à última cepa. O vírus em si foi designado como SARS-CoV-2 pelo Comitê
Internacional de Taxonomia de Vírus. Os pesquisadores vêm clamando por um nome
oficial para evitar confusão e estigmatização de qualquer grupo ou país.
“Tivemos que encontrar um nome que não se referisse
a uma localização geográfica, um animal, um indivíduo ou grupo de pessoas, e
que também seja pronunciável e relacionado à doença”, disse o chefe da OMS.
“Ter um nome é importante para impedir o uso de
outros nomes que podem ser imprecisos ou estigmatizantes. Também nos fornece um
padrão a ser usado em futuros surtos de coronavírus.”
O novo nome é retirado das palavras “corona”,
“vírus” e “doença”, com 2019 representando o ano em que surgiu (o surto foi
relatado à OMS em 31 de dezembro).
²
Dissertação de mestrado do autor que pode ser achada na plataforma Lattes. Basicamente
a destruvidade é um conceito de E. Fromm para separar a agressividade, que é
inerente a vida.
“Observa-se
uma dose de comportamento agressivo na maior parte dos animais, pois é essa a
condição necessária para a sobrevivência. Seria implausível se pensar o ato de
sobreviver sem se considerar a presença da agressividade para que o ciclo da
vida continue. No entanto, é importante observar que essas relações sempre
visam, em última instância, o equilíbrio do número de animais de cada espécie.
Por isso, podem ser classificadas como situações agressivas naturais e não,
violentas. Nas relações humanas parece ter havido uma espécie de metamorfose do
instinto de agressividade. Essa transformação pode ser observada na
negatividade que o conceito de agressividade ganhou. Uma pessoa chamada de
agressiva na atualidade é quase que imediatamente comparada a alguém violento,
destrutivo. A agressividade passou a ser concebida portanto como sinônimo de
destrutividade. No entanto, torna-se pertinente frisar que a agressividade tem
aspectos positivos no que tange à luta pela sobrevivência e também em situações
nas quais é preciso defender-se de algo ou de alguém”.
³Recentemente as pessoas no Rio de
Janeiro, tiveram o problema estadual da contaminação da água, pela geosmina… Os problemas de
segurança, do narco tráfico, das milícias, do sistema de saúde e de transporte.
O rompimento de barragens. A ameaça de guerras que sempre gera tensões
internacionais e pessoais, embora se varra para debaixo do tapete para se ir
vivendo, mantendo o foco.
4 As glândulas supra renais têm vários papéis
metabólicos no corpo humano. Nossas duas glândulas supra renais podem ser
encontradas na parte superior de cada um dos nossos rins. Juntos, eles liberam
os hormônios que nos ajudam a metabolizar, atuam na maturação sexual à medida
que crescemos, além de responder ao estresse. Este último pode ser conhecido
como a resposta primitiva de “luta ou fuga”. O hormônio chamado cortisol é a
chave para coordenar os processos que nos permitem lutar ou fugir das ameaças.
Texto publicado na Segunda Edição do Boletim do
Instituto de Psicologia da UERJ.
Conforme eu havia colocado nas supervisões de psicoterapia estratégica, certos casos ilustram tipos de intervenção necessárias em alguns destes.
Foi o caso da moça que pensava em se suicidar e foi buscar a ajuda de M. Erickson. Este caso está descrito na obra Terapia Não-Convencional de Jay Haley (Editora Summus, 1991, p. 111-115). O leitor interessado deve se remeter até esta fonte. Não é o propósito deste artigo narrar um caso particular, mas sim tecer considerações gerais sobre as intervenções em psicoterapia. Entretanto, este caso citado é realmente espetacular, mostra toda a maestria de M. Erickson no manejo de técnicas e sua infinita compaixão pela vida humana.
Quando a cliente entra e conta sua história os “olhos” e “ouvidos” do terapeuta-elefante M. Erickson, toda a sua experiência, sensibilidade, fazem uma avaliação, um diagnóstico, e traça uma estratégia, então age… E se não funcionar?! Mude de estratégia… Sempre lembrando que o cliente tem que assumir a sua parte de responsabilidade pelo êxito da terapia. Nenhum remédio irá funcionar se você não o tomar, então há casos em que a batalha inicial é este “convencimento” do cliente para se comprometer com a psicoterapia. Vocês já viram aquelas pessoas que precisam de fisioterapia, às vezes, intensiva? Elas chegam na clínica, fazem o básico e o fisioterapeuta diz, “continue fazendo em casa, ponha gelo, exercite a perna, blá, blá,blá”…
Elas voltam na clínica e dizem: “Não está funcionando, quando é que eu irei melhorar? , já quase aos prantos. A fisioterapeuta pergunta: “O senhor tem feito as compressas em casa?” …. “Não”. São pessoas que funcionam empurradas, nunca se cuidam. São um peso para os demais, podem arrasar com a energia de qualquer um, pulam nas costas do terapeuta e exigem milagres. E muitas são dóceis e cativantes… Muitas vezes vi umas velhinhas e velhinhos deste tipo, mas também jovens, muitos jovens, seja nas clínicas de fisioterapia, seja em outras clínicas, seja na vida. Como estive me tratando em muitas clínicas por anos seguidos devido as lesões do futebol, no tempo em que jogava quatro vezes por semana, vi estes quadros se repetirem… Havia uns que ainda estavam lá quando uma nova lesão me acometia e eu voltava … Um ano depois!!!”
Escadas
Sempre lamentando e se queixando… “Oh vida, oh azar” … Plantam e cultivam a depressão, é sua condição existencial.
Claro que tem uma história por trás disto, sempre tem.
“E culpar a história não irá mudar a tua vida, você tem que agir”…
Olha eu aí, banguela. 1 aninho.
Eu não era nada, então nasci, sem dentes, não falava nada, nem compreendia, precisava ser alimentado, me mijava e me cagava todo… Cuidaram de mim… Eu recebi isto, aprendi a falar, meus dentes cresceram, aprendi a me limpar, a controlar meu corpo… Foi uma troca entre cuidadores e a minha pessoa, faz tempo, mas aproveitei os ensinamentos, o carinho, a dedicação… Tiveram brigas, frustrações, momentos variados de alegria e tristeza, mas sempre focalizei no carinho, na generosidade, e percebi quando eu estava abusando da tolerância, claro que é bom ser servido de vez em quando, tem momentos na vida em que estamos cansados, mas prefiro ter a força de meus músculos para levantar e pegar a minha água, mesmo que os joelhos doam…
Alguns ancestrais das distantes Baixa Eslobóvia e Transilvânia
Se eu não me movimentar, além da dor aumentar meus joelhos ainda perderão a mobilidade que resta. O líquido sinovial para ser produzido precisa de movimento. A vida precisa de movimento.
Luganus em 2019 com seu último par de nadadeiras Orca que têm aproximadamente + de 30 anos. A fábrica fechou há muito tempo e com ela este excelente produto entrou em extinção. Não há mais nadadeiras com esta qualidade no mundo onde o obsolentismo planejado impera.
Por isto os casos de drogadicção são muito árduos e exigem muito do psicoterapeuta, e este tem que estar atento para não ser devorado pelo envolvimento com tais pessoas.
Por isto os medicamentos são importantes…É imprescindível em tais casos estarem estes medicados para alterar a bioquímica e dar algum gás para se engajarem no tratamento. Bem…
A psicoterapia requer o conhecimento de metodologia e técnicas variadas. O estudo de um método permite o uso de uma variedade de técnicas sempre em prol de “sub goals”, submetas, que permitem a psicoterapia avançar na direção de um objetivo maior. A metáfora de uma construção permite entender que primeiro você explora o terreno para ver que tipo de fundações ele precisa, após estas serem implantadas o psicoterapeuta-engenheiro segue com a estratégia obedecendo seus cálculos, há sempre uma metodologia por trás disto tudo (uma teoria açambarca conhecimentos metodológicos e técnicos)… Logo, há uma estratégia para se construir algo, sejam edificações, sejam pessoas. Por exemplo, ainda seguindo com a metáfora, há materiais mais resistentes do que outros… Portanto, para uma estrutura de personalidade “porcelana”, bela porém frágil, o terapeuta deve ir com muito cuidado… Você pega uma xícara de porcelana sempre com muito cuidado, você a lava com cuidado… Não é como estes copos de geléia que aguentam um bom tranco. Notem o passado desta jovem, deste cliente…
Luganus 2015
Respondam a uma pergunta dentro da filosofia dicotômica… (Notem que diagnósticos são construídos necessariamente por uma epistemologia dicotômica, entretanto um psicoterapeuta não deve tratar/pensar de forma dicotômica seu cliente, depois explicarei isto)…
Bem…A pergunta é…
Luganus 2009
Esta cliente é uma xícara de porcelana ou um copo de geléia?
Reflitam sobre isto.
PS. Dizem os terapeutas africanos que somente os elefantes, devido às suas imensas orelhas, são capazes de ouvir o choro de crianças aprisionadas dentro de pedras, e assim podem as libertar. O terapeuta-elefante tem uma força descomunal combinada com esta sensibilidade e percepção aguçada. O termo deriva de um excelente texto escrito pelo psicoterapeuta Paulo Barros na obra Ser terapeuta, também da editora Summus, 1985. Organizado por ele e por Ieda Porchat.
https://books.google.com.br/books?id=FEFlQ2u1RXEC&pg=PA9&hl=pt-BR&source=gbs_toc_r&cad=3#v=onepage&q&f=false Neste link se encontra algumas partes da obra reeditada.
Atenciosamente
Prof. Celso Lugão da Veiga
Supervisor em Psicoterapia Estratégica
(SPA IP UERJ)
Especializações em Psicologia Clínica e Hospitalar
Uma pequena reflexão… Oriunda e inspirada no Google Tradutor…A little reflection … Oriented and inspired by Google Translator … Una pequeña reflexión … Oriunda e inspirada en Google Traductor … 一點反思……面向谷歌翻譯並受其啟發…… Un peu de réflexion … Orienté et inspiré par Google Translator …Küçük bir yansıma … Google Tercüman tarafından yönlendirildi ve ilham alındı … (Tivemos uma aluna proveniente da Turquia que poderia corrigir, se necessário). A kekere otito … Ti ni atilẹyin ati atilẹyin nipasẹ Google Onitumọ … Немного размышлений … Ориентирован и вдохновлен Google Translator .Eine kleine Überlegung … orientiert und inspiriert von Google Übersetzer … القليل من الانعكاس … موجه ومستوحى من Google Translator
Amazônia, fim de tarde, 2018
Enfim, este aplicativo nos permite perceber a infinidade de idiomas que existem de uma maneira como nunca aconteceu antes, inclusive com alguns efeitos sonoros, ou seja… Podemos ouvir as pronúncias e em alguns casos, como eu costumo brincar, chinês por exemplo, tenho certeza de que estão de gozação com a nossa cara… Apenas fingem que estão falando algo, realmente ninguém pode entender aqueles sons estranhos… O mesmo vale para o 阿拉伯語 e para o 土耳其… Arapça e Türk… ……………………………………………………………………………………… Entretanto, se você tem as chaves de decodificação você consegue perceber a idiossincrasia dos idiomas e das pessoas… Os códigos de valores, as preferências… ————————————————————————————– Outra questão também é como uma criança se expressa com facilidade em mongol, russo, ไทย… Tailandês!!! Como isto é possível?!!! เด็กที่พูดภาษาไทย….Uma criança que fala tailandês!!!
E tem gente que escreve e é capaz de ler estes “hieróglifos”, rsss …………………………………………………………………………………… Bem, desde pequena ela ouve “aquilo”, aprende a escrever “aquilo” e a ler, interpretar “aquilo”………………………………………………………………………
Amazônia, 2018. Artesanato produzido por povos indígenas.
E com relação a minha avó e ao meu avô… Bem, eu os amei do meu jeito, é sempre do nosso jeito, não há outro… E lembro de cada um deles com enorme carinho e mesmo agora, enquanto escrevo me emociono… Assim como me emociono ao lembrar de meus amigos que se mudaram para a Baixa, a Média e a Alta Eslobóvia, sempre lembrando que a Alta fica mais abaixo do cume das cordilheiras, pois a Baixa é que fica mais acima…. A referência é a temperatura… A Baixa Eslobóvia é muito mais fria justamente porque fica no topo da cordilheira…
Meus pais e avós paternos e meu irmão mais velho.
E justamente este carinho, este amor, ligado a estas pessoas com quem convivemos, alguns desde a infância, como nossos pais, irmãos e alguns amigos… Outros que aprendemos a gostar na adolescência, e outros ainda já na vida adulta… Assim, todos estes afetos, catexias, estão em nossas memórias e no nosso imaginário… Permeado de lembranças… De emoções… E assim é com os idiomas… Muitas pessoas nascem e aprendem um idioma, depois outro… O fato é que há um nativo e outros agregados… Como um primeiro amor que se não foi traumático permitirá a vida fluir… Novas experiências poderão acontecer… E estará tudo bem… O idioma nativo está “guardado” e agora você fala mais um idioma… Se você o escolheu é porque sentiu alguma motivação, alguma afinidade, algum motivo há…
Casa de ancestrais na Suíça
……………………………………………………………………… E desta maneira, é o uso dos referenciais epistemológicos e clínicos… Quanto mais você os conhece, quanto mais os incorpora ao teu dia a dia mais fluente você é……………………………………………………………. E podem ser vários os referenciais psicoterápicos, alguns usam os referenciais da psicanálise…. E o fazem muito bem… E segue a lista de alguns psicoterapeutas… C. G. Jung, A. Adler, H. S. Sullivan, W, Reich, F. Perls, A. Lowen, A. Beck, V. Satir, C. Whitaker…
Como diziam os samurais… A espada deve ser um prolongamento do braço… A técnica se transforma em algo que flui espontaneamente… E para isto é preciso praticar, praticar, praticar… …………………………………………………………………………….
Estudar e praticar
Então, pessoal, se vocês tiverem as chaves poderão abrir os cofres e as portas… Cada cliente é de um jeito, um idioma a ser decifrado… Ou ele te devora, como a velha metáfora da Esfinge…
Ou você aprende os códigos ou não se meta com isto, praticar psicoterapia não é assunto para amadores… Imagine-se como um cirurgião… Você tem que ter conhecimentos sobre estruturas e funcionamento… Anatomia e Fisiologia, no mínimo, é básico.Por isto, você não pode fazer psicoterapia sem entender que ao tocar num trauma, se o cliente não tiver recursos ele irá se retraumatizar… Isto é primário…
Como fazer e criar recursos? Na sintaxe deste idioma, “psicoterapês”, seja em russo, alemão ou swahili isto é básico…Um médico, um profissional, um psicólogo o recebe e sorri ao abrir a porta, você sorri de volta… Ambiente, quinto nível lógico, recurso sendo implantado no ambiente, 5° nível lógico.
Ele diz… “Hoje está um lindo dia e respira fundo e diz sente-se, relaxe e me conte como posso ajudar”… Comportamento, quarto nível lógico, recurso sendo implantado no 4° nível lógico…
Notem, há pessoas que são naturalmente, selvagemente, terapêuticas… Nem imaginam que há uma teoria por trás de tudo que estão fazendo, mas fazem aquilo muito bem… Ancoram bons estados de humor, implantam e/ ou reforçam estratégias que funcionam (Estratégias, 3° nível lógico – Recursos poderosos).
Mexem com as crenças e com a identidade (a autopercepção: a autoimagem, o auto conceito, a auto estima)… Segundo e primeiro níveis lógicos e você sai muito melhor daquele encontro, e diz…”Foi terapêutico estar aqui em pleno sábado escrevendo estas linhas para vocês… Obrigado. Agradeço a paciência com a minha prolixidade… O carinho por vocês é recíproco… Todos e todas vocês são ótimas pessoas e se cuidarem de vossos “eus” infantis e se aliarem a eles poderão cada vez mais espalhar segurança e conforto por este planeta…
Gaia merece. Atenciosamente
Centro de Psicologia da Amazônia, 2018.
Prof. Celso Lugão da Veiga
Supervisor em Psicoterapia Estratégica
(SPA IP UERJ)Especializações em Psicologia Clínica e Hospitalar
Na verdade o título original deste pequeno artigo segue abaixo. Eu o produzi em 2002 diante da percepção de que muitos supervisandos ou “aprendizes de feiticeiro” entram em pânico ou se abatem diante de sentimentos, experiências e leituras quando chegam no estágio de psicoterapia estratégica e se deparam com a enciclopédia, com o mito, e antes de tudo honorável e humilde Lugão. Esta experiência, relatada por muitos, de nada saber, ou de que nunca conseguirá chegar aonde o professor chegou; enfim, este sentimento de se sentir oprimido pelo enorme manancial de conhecimento externo… Em qualquer área de aprendizagem… Acreditem, esta é uma experiência universal, se assim se pode chamar as experiências que ocorrem neste pálido planeta azul, como diria Carl Sagan.
Estamos sempre centrados em nossos umbigos, o mundo parece girar em torno de nós, esta é uma das experiências mais conhecidas dos psicólogos do desenvolvimento, as crianças custam a diferenciar o eu do outro, o eu do mundo. Certamente, enquanto adultos continuamos a misturar as coisas. Quantas vezes ficamos paralisados por causa do que “os outros irão pensar se …”. Muitas vezes, os outros não estão nem aí para nós, talvez estejam igualmente preocupados consigo mesmos.
O fato é que não somos o centro do universo, aliás o universo não tem um centro segundo a astronomia.
A terra é bem pequena e fica num sistema solar gigantesco, mas que some diante da galáxia, que por sua vez é uma das trilhões de galáxias que existem. Portanto, relaxem, fiquem tranquilos ou trankilos, como gosto de escrever para brincar com as normas ortográficas (Aonde já se viu idéia sem acento?! Um absurdo!!! Recuso-me a aderir)… Porém, é fácil aderir aos argumentos de Carl Sagan, que dizia que a sacada de Darwin de que a vida evoluiu ao longo das eras pela seleção natural não só era uma ciência melhor do que as declarações contidas no Gênese como proporcionava uma experiência espiritual mais profunda e satisfatória. “O que se quer não é a vontade de acreditar, mas o desejo de descobrir, que é exatamente o contrário”. disse Bertrand Russel.
( A foto da Terra foi realizada pelo Spirit Mars Exploration Rovers, um robo que está explorando Marte. Esta é a primeira foto do planeta Terra tirada de outro planeta).
Bertand Russell fala sobre religião (1959)
A morte é certa, não há nenhum deus lá fora, pelo menos não para ateus como eu… (Sugiro mais uma vez a leitura da obra de Sam Harris, como diz R. Dawkins no prefácio… “Será um teste saudável para a sua fé”.
Então, qual o propósito destas palavras? Compartilhar, o propósito é sempre compartilhar algo que penso que será útil para muitos em suas crises pedagógicas e existenciais. E para os que não estão em crise, um conselho: deveriam estar !
Só assim, mantendo um espírito irrequieto, indomável, se pode estar aberto para o conhecimento, por isto Richard Feynman e outros cientistas e pensadores eram eternas crianças, eles mantiveram acesa a curiosidade infantil. O pequeno professor, na linguagem da Análise Transacional de Eric Berne, esta função que habita o eu criança saudável de todos nós.
Coloquei vários vídeos selecionados sobre os assuntos aqui mencionados. Não importa qual das modalidades em ciência você pretende aprender, em todas é necessário manter “a convicção permanentemente revolucionária da ciência, de que a busca da verdade (entendo-se tal conceito como a aproximação sucessiva do entendimento dos processos da natureza, a tentativa constante de decifrar os algoritmos dos processos orgânicos e inorgânicos) não tem fim e que a ciência é a única abordagem humilde o suficiente para fazer jus ao universo que revela… A metodologia da ciência, com seu mecanismo de correção de erros para nos manter honestos, apesar da tendência crônica que temos para projetar, para nos equivocar, para iludir a nós e aos outros, era para Carl Sagan o auge da disciplina espiritual”. (Extraído da p. 11, da impecável introdução feita pela viúva e colaboradora Ann Druyan para a obra póstuma Variedades da experiência científica. CIA das Letras. 2008.)
Rio, 17/ 11/ 2002.
Reflexões sobre os módulos de psicoterapia.
Prof. Celso Lugão da Veiga.
Quando aprecio criticamente os módulos de psicoterapia dos quais participei como aluno, algumas impressões ficam nítidas e, talvez, fosse interessante compartilhar.
Nas décadas de 70, 80 e 90 fiz especializações nas áreas da Tanatologia, da Programação Neuro-Lingüística, Psicoterapia e Hipnoterapia Ericksoniana, EMDR, e mais algumas envolvendo temas como drogadicção, traumas e outros.
Recordo-me que, inicialmente percebi que havia sempre uma ambivalência de sentimentos. Um lado meu dizia que havia sido uma boa experiência… Aprendizagens novas, algumas complexas, haviam sido feitas. Outro lado complementava indagando se eu não poderia aprender mais caso tivesse feito todas as leituras pertinentes antes de assistir aos cursos. Uma terceira voz irremediavelmente cobrava a exposição pedagógica de alguns passos ocultos, sempre que havia alguma demonstração de técnicas. E havia outras vozes críticas, algumas procuravam falhas no expositor, na exposição, na organização do evento, e até no clima: “Com um sol destes q. ki eu tô fazendo aki?!” ou “Aonde eu vim parar com uma chuva destas!”.
Dependendo do peso destas vozes em meu interior às vezes achava que havia sido pouco tempo de curso, ou que pouco material havia sido visto, ou que havia conteúdos que precisavam ser expostos primeiro… Enfim, sempre senti certa ambivalência e confusão… E algumas vezes, “depressão”, ao ver os profissionais atuando e ensinando coisas novas… Eu teria que assimilar novos ensinamentos. Recomeçar a construção do estilo já estabilizado.
Bem, paralelo a isto sempre me ocorria a lembrança das duas faces de Alexander Luria, descritas por H. Gardner… Por um lado… O grande cientista… Por outro lado… A. Luria tinha seus problemas de auto-estima. Eu sentia-me assim, depois fui descobrindo que isto era um processo natural, o meu jeito de digerir as coisas novas. Comecei a não ligar mais para a “depressão da auto-estima”, entendi que se eu não me abatesse, se eu continuasse sendo “superior”, “o senhor- sabe- tudo”, estaria desprovido da humildade, abertura ou flexibilidade para ser novamente o aprendiz de mais um feiticeiro, ou de mais um truque. E assim comecei a perceber a minha dinâmica de aprendizagem cada vez mais intensamente, e me preocupando menos com a cobrança da didática. Percebi que só o autoconhecimento facilita o entendimento da posição do outro. A xícara vazia deve ficar abaixo do recipiente mais cheio. Sábias palavras ouvidas de um mestre hindu.
Ecoavam também as palavras, sempre com o tom jocoso e provocativo, de Jay Haley (1998, p. 15)… “Vivemos momento empolgante na área de terapia, porque tudo está se modificando. Não há ortodoxia. Sem ortodoxia, não há conformistas nem rebeldes. Não há um caminho certo para fazer terapia, mas diversos caminhos. Você pode criar técnica terapêutica, ou ressuscitar uma antiga… Na verdade, se você der um nome à nova técnica, pode até iniciar nova escola e conduzir workshops… Uma vez que a terapia muda, muitos supervisores… tentam compreender o que está acontecendo. Os “supervisandos” ficam aturdidos ao se dar conta de que muitos de seus professores divergem entre si.”
Então tudo que eu sentia em relação aos módulos fazia parte de uma transformação tanto do contexto de aprendizagem das terapias (transformação externa) quanto da minha função de terapeuta (transformação interna). Era o terapeuta profissional ¹ de Carl Whitaker se manifestando, tal qual a dor de crescimento dos ossos de adolescentes.
O fato é que os anos foram se passando e sempre que eu consultava o material arquivado dos tais módulos descobria mais um monte de conteúdo que estava lá mas eu não percebia na época.
Quanto mais o tempo avança e o terapeuta profissional se debruça sobre estes módulos percebe que, como num romance relido, novas perspectivas surgem.
Quando estive com J. Zeig, durante um almoço em São Paulo, em 1993, no intervalo do curso, pude ouvir de sua boca a declaração já lida em seu livro: “Sempre que revejo os casos de Erickson penso… Agora entendi tudo!… E toda vez que os reestudo torno a descobrir mais coisas que Erickson fez”.
Creio que isto se dá com todos aqueles que têm este espírito inquiridor e inquieto… Porque nos movemos no tempo amadurecendo e olhando o mundo de novas perspectivas afetivas e intelectuais. Percepções… Novos ângulos.
A frase do poeta Thomas Stearns Elliot resume bem esta atitude:
“Não cessaremos de explorar e o final de toda exploração será chegar aonde começamos. E conhecer o lugar pela primeira vez”.
Então, a todos os eternos aprendizes… Seguem as palavras que uso para minha resiliência e também para com os meus clientes… Mantenha o rumo timoneiro… E “respire…” Sempre que sinto o sistema imunológico sinalizar algo como tempestades a caminho, sejam emocionais ou virais envio este alerta ao timoneiro. Aliás o termo cibernética decorre do grego e tem esta acepção: condutor, piloto, timoneiro. Daí a palavra cyborg, ou seja, cybernetic organism. O criador da cibernética, Norbert Wiener, foi um dos que ajudou na transição de uma visão linear para uma circular pois demonstrou que os sistemas para se manter “estáveis” precisam de certas retroações específicas, isto ajudaria o pensamento de Gregory Bateson, assim como as idéias de Ludwig von Bertalanffy ².
Conservem a flexibilidade do espírito, porque “mente humana é como pára-quedas, funciona melhor aberta”.
Abaixo vídeo que ilustra o caminho para Marte.
Como chegar a marte
¹Carl Whitaker estabelece uma diferença psicológica entre o terapeuta social e o profissional. O segundo assemelha-se ao xamã em sua busca permanente dos mistérios lutando contra seus próprios demônios, assim como com os demônios dos pacientes. Ver NEIL & KNISKERN. Da psique ao sistema. A evolução da terapia de Carl Whitaker. Artes Médicas.1990, p.123. Cap. 3 Treinamento e crescimento do terapeuta.
² in ELKAÏM, Mony. (org.) Panorama das terapias familiares. Summus, 1998, p.20.
HALEY, J. Aprendendo e ensinando terapia. ARTMED, 1998.
A responsabilidade social dos cientistas ou … Porque a epistemologia é importante by Prof Celso Lugão
Radhitor – água radioativa
Hans Jurgen Eysenck, em uma de suas obras, disse que quando um cientista faz declarações fora de sua especialidade, estas têm o mesmo valor das declarações dos leigos, entretanto, por se tratarem de declarações feitas por um cientista, estas têm um impacto social enorme porque pegam emprestado o aspecto de credibilidade da ciência.
A este aspecto, se pode somar ainda as confusões e distorções causadas pela mídia, seja por um desconhecimento da atitude de vigilância epistemológica por parte da imprensa, seja por interesses financeiros ou mesmo escusos de certos órgãos de comunicação.
Radithor, foi um “elixir energizante” feito com água radioativa. Quando da descoberta da radioatividade os interesses comerciais e financeiros criaram vários produtos à base de radioatividade!!! (Adiante, no final deste artigo, faço uma análise de uma reportagem com o curioso título “Maconha é uma das substâncias mais seguras! Diz especialista”… Seria cômico, se não fosse trágico, para dizer o mínimo).
Retomando, sobre a radioatividade… Hoje ficamos pasmos com tal conduta, mas já sabemos muito sobre os terríveis efeitos da radioatividade no corpo humano. Naquela época não havia conhecimento bastante sobre o assunto, mas pela atitude científica sempre se deve preconizar cautela. A ciência aprendeu isto com sua história, muitas vezes de forma árdua, como no caso da radioatividade e da talidomida.
Porém a pressão de grupos interessados em faturar (a velha ganância humana) conseguiram produzir vários produtos à base de radioatividade (creme para o rosto, chocolate e até supositório!), e só depois que um magnata da época morreu de forma horrível, como se pode imaginar, é que foram retirados do mercado e houve uma campanha no sentido de deixar a radioatividade ser tratada apenas pela ciência. Tais dados podem ser lidos na excelente obra de Oliver Sacks, Tio Tungstênio (editora CIA. das Letras, 2002, p.261-262), por exemplo… “Ninguém parecia ter ideia do perigo daquelas substâncias na época… Becquerel fora o primeiro a notar os danos que podiam resultar da radioatividade – descobriu uma queimadura em seu corpo depois de ter transportado um concentrado altamente radioativo no bolso de seu casaco… A própria Marie Curie mencionou em sua tese que se uma substância radioativa for colocada, no escuro, próxima ao olho fechado ou à têmpora, a sensação de luz invade o olho.” E, em outro trecho destas mesmas páginas O. Sacks fala sobre inaladores de tório, e se pergunta, o que seria isto? A pessoa se sentiria revigorada, fortalecida se inalasse aquele elemento radioativo?
Neste sentido, a epistemologia e a história da ciência, enquanto subdisciplinas de um campo maior, a Metaciência* nos impõe o imperativo da “vigilância epistemológica”, ou seja, a atenção constante, a reflexão, para evitar a contaminação do processo de produção científica pelas noções auto-evidentes do senso comum, ou de interesses ideológicos e financeiros.
* (Taxionomia de Karl Madsen, onde meta = discurso crítico sobre a ciência; ver Teorias de la motivacion, ed. Paidos)
A palavra epistemologia(do grego ἐπιστήμη [episteme]: conhecimento científico, ciência; λόγος [logos]: discurso, estudo de) é o ramo da filosofia que trata da natureza, etapas e limites do conhecimento humano, especialmente nas relações que se estabelecem entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Nesse sentido, pode ser também chamada teoria do conhecimento ou gnosiologia. Em sentido mais restrito, refere-se às condições sob as quais se pode produzir o conhecimento científico e dos modos para alcançá-lo, avaliando a consistência lógica de teorias. Nesse caso, identifica-se com a filosofia da ciência. Há também a taxonomia proposta por Karl Madsen, a Metaciência com suas subdisciplinas: história, psicologia, sociologia e filosofia da ciência. T. Khun propôs também uma mitologia da ciência, para tratar temas como “a reprovação de Einstein em matemática” (Einstein nunca foi reprovado em matemática) ou o suposto experimento de Galileu da torre de Pizza (Galileu fazia experimentos imaginários, segundo A. Koyré- ver História do pensamento científico, ed. Forense, 1982, p. 197-207, Galileu e a experiência de Pisa: a propósito de uma lenda).
Por que então a epistemologia é importante e como isto implica na responsabilidade social dos cientistas?
Tomemos alguns exemplos sobre a importância da vigilância epistemológica, inicialmente sobre títulos de livros que podem distorcer o que de fato se sabe.
A espetacular confirmação de uma hipótese, o bóson de Higgs, que gerou toda a polêmica em torno do título que seria dado ao livro de divulgação… A partícula amaldiçoada de Deus… Que para vender mais foi sugerido ficar apenas “A partícula de Deus”, uma vez que o termo “amaldiçoada” era uma metáfora à trabalheira que havia dado para descobrir tal partícula. Claro está que pessoas inescrupulosas, disfarçadas sob várias ideologias religiosas, estão sempre à espreita para arrebanhar crentes ingênuos e aumentar sua influência e seus lucros. Caso o leitor ainda não tenha entendido… Esta descoberta fantástica tem implicações na continuidade das diretrizes para as pesquisas, porém não tem a menor relação com provar ou não a existência desta suposta entidade denominada “Deus”, que seria o responsável pela criação da vida, das estrelas, do universo, ufa, que trabalho daria isto! É impressionante como as pessoas não percebem que o rei está nu, quão absurdas são tais ideias religiosas que tiveram sua importância histórica, não resta dúvida, mas já está na hora de entrarmos numa fase de aceitação, para fazer uma alusão aos cinco estágios da morte e do morrer de E. Kübler-Ross, negação, raiva, negociação, depressão e aceitação.
Seguindo este mesmo caminho de publicações com títulos que confundem e distorcem (pois têm a intenção de atrair mais compradores, e não importa se estes irão ler as obras, o que importa é vender) apresento algumas traduções no mínimo curiosas, para não falar de ma fé em algumas.
Nas traduções de outras obras… Psychology is about people… Temos, Sexo, pornografia e personalidade de H. J. Eysenck, claramente a tradução em português tem o objetivo de atingir um público mais “animado”, digamos.
E o que dizer das Razões da coincidência de A. Koestler, no original “The roots of coincidence”… As raízes da coincidência, as bases, raízes, dos conceitos que encantaram C. G. Jung e o físico W. E. Pauli diante do conceito de sincronicidade. Qual o problema desta tradução? Se alguém tivesse descoberto as razões das coincidências, ou fundamentado o conceito junguiano, certamente isto seria um estágio muito mais avançado do que especular conceitos sobre “seriação de atos” ou ainda, antes disto, validar o conceito de coincidência.
E a ideia de atingir os psicanalistas traduzindo “Teaching seminars with Milton Erickson” como… Seminários didáticos em Psicanálise com Milton Erickson… De onde se tirou esta “psicanálise” do título original? Pois é, no título em inglês não há a palavra psicanálise… A ideia era vender mais livros se os psicanalistas comprassem a obra da editora Imago. Não funcionou tão bem, salvo pela confusão e susto que os psicanalistas brasileiros levaram, creio, ao se deparar com a incrível genialidade de Milton Erickson… Bem, alguns perceberam a riqueza de recursos que poderiam anexar às suas práticas… Claro está que todos os psicanalistas que entendiam de hipnoterapia imediatamente perceberam a luz no fim do túnel, e não era nem radioatividade, nem o trem, era a poderosa iluminação da abordagem ericksoniana…
Foi o caso do prof. Malomar Edelweiss (no final de outro artigo, neste site… Temas que preocupam os leigos sobre a hipnose… Se pode ler uma singela biografia sobre ele)… Destaco um trecho a seguir… “A atividade clínica de Malomar desenvolveu-se assimilando os procedimentos psicoterapêuticos de Milton Erickson, enfatizando o uso da hipnose na psicanálise. Em 1982 começou a praticar a hipnoanálise e a hipnoterapia, constatando que o transe hipnótico é instrumento valioso tanto para agilizar o acesso ao inconsciente, quanto para o aumento da eficácia dos processos terapêuticos psicossomáticos usados”.
Prosseguindo com as traduções curiosas…
E quanto a obra de Carlos Castañeda “The teachings of Don Juan”… Tradução?!… A erva do diabo. Bem, claramente o título procura insinuar a um público leigo algo bem diferente do que os ensinamentos do xamã pretendem revelar. O título em português dá ênfase à droga, à erva. Isto nos levará a outro tipo de exemplo em que a epistemologia pode servir de parâmetro crítico para nos vacinar contra as “tendências liberais de uma época” , o tema da liberação e da legalização da cannabis sativa. Selecionei para analisar uma entrevista feita por Marília Juste, jornalista do G1 em São Paulo. E começarei pelo título colocado… “Maconha é uma das substâncias mais seguras, diz especialista.”
Irei comentando o que se declara na reportagem com as iniciais de meu nome sinalizadas pela sigla em azul: CLV
Celso Lugão da Veiga = CLV
MACONHA É UMA DAS SUBSTÂNCIAS MAIS SEGURAS’, DIZ ESPECIALISTA. Daniele Piomelli, neurocientista e farmacologista, defende o uso medicinal da planta e diz que pesquisas precisam ir fundo no assunto.
CLV comenta: Sim, toda pesquisa, por definição, deve ir fundo no assunto ou tema que pretende explorar senão seria mais uma simples opinião. Acrescente-se que a ciência pode ser entendida como um processo que abrange dois contextos, duas etapas. Tem um contexto de descoberta e um outro de validação. Esta transição do contexto de descoberta para o de validação é que dá consistência aos argumentos, e há várias etapas a serem ultrapassadas nesta jornada. Por exemplo, a teoria é sempre testada através de um conjunto de hipóteses, sobre isto recomendo o texto “A relatividade do errado” do genial Isaac Asimov, também publicado neste site. A teoria gera hipóteses que, estas sim, são testadas. A teoria será mais consistente quanto mais suas hipóteses sejam corroboradas. A teoria em si não é diretamente testada. No referido texto de I. Asimov ele responde a uma carta que lhe foi endereçada, segue um trecho: “John, quando as pessoas pensavam que a Terra era plana, elas estavam erradas. Quando pensaram que a Terra era esférica, elas estavam erradas. Mas se você acha que pensar que a Terra é esférica é tão errado quanto pensar que a Terra é plana, então sua visão é mais errada do que as duas juntas”. Fica claro, assim se espera, porque o texto de Asimov se chama “A relatividade do errado”.
Como explica ainda I. Asimov… ” O problema básico é que as pessoas pensam que “certo” e “errado” são absolutos; que tudo que não é perfeitamente e completamente certo é totalmente e igualmente errado… viver em um mundo mental de certos e errados absolutos pode significar imaginar que uma vez que todas as teorias são erradas, podemos pensar que a Terra seja esférica hoje, cúbica no século seguinte, um icosaedro oco no seguinte e com formato de rosquinha no seguinte”.
MARÍLIA JUSTE, DO G1, EM SÃO PAULO
Daniele Piomelli é considerado uma das maiores autoridades quando o assunto é maconha
CLV comenta: Bem, a ciência tem outro aspecto, o que vale é a autoridade dos argumentos e não os argumentos de autoridade, ou seja, mesmo que o argumento provenha da “boca” de um expertise em um campo, o que vale é a autoridade do argumento, isto é, o contexto de validade. Dizendo de outra forma, é evidente que se Cesar Lattes disser que Einstein é burro, ou está errado, irá se prestar mais atenção do que se a presidenta Vilma (da República das Bananas) que nunca estudou física, se é que ela estudou algo, declarar isto, mas mesmo assim isto não tem valor no contexto da validação. Em ciência é fundamental que se valide os argumentos, ou seja, as descobertas têm que passar pelo contexto da validação. Se as observações feitas pelos telescópios e observatórios não confirmam uma hipótese isto enfraquece a teoria que gerou aquela hipótese… E não importa quem é o autor da teoria, se é Sigmund Freud, Albert Einstein ou Charles Darwin.
Outrossim, vale acrescentar que existem inúmeros pesquisadores trabalhando nas mesmas áreas, com os mesmos temas, interesses, então, considerar alguém como uma das maiores autoridades, deve ter um sentido muito específico. No caso, pesquisando sobre este cientista se acha o seguinte –> Dr. Piomelli tem um interesse de longa data na neurofarmacologia, uma área em que ele fez três contribuições. Primeiro, ele estabeleceu o papel do ácido araquidônico como um segundo mensageiro intracelular e revelou os mecanismos moleculares pelos quais este composto regula a atividade neural. Em segundo lugar, elucidou as vias envolvidas na formação e desactivação de canabinóides endógenos, e descobriu funções fisiológicas e farmacológicas potenciais utilizações destes compostos. Por fim, descobriu o papel dos lípidos naturais oleoletanolamina (OEA) e palmitoiletanolamida (PEA), no controle da saciedade e equilíbrio de energia, e identificou o receptor celular para estes compostos. Também tem formação em áreas como neurofarmacologia, neurobiologia, e também está associado a laboratórios, portanto, se pode conjecturar que suas declarações podem ser ou não guiadas pelos interesses financeiros destes laboratórios. Seria bom saber o que estes laboratórios comercializam ou pretendem comercializar. Isto poderia revelar algum comprometimento da declaração radical do título do artigo, se é que ele realmente a fez. Veremos, ao longo desta análise, que é sempre preocupante o diálogo entre um cientista e um jornalista, principalmente se o jornalista é totalmente leigo em ciência. As declarações de um cientista estão sempre dentro de um contexto de vigilância epistemológica, ou seja, não são isoladas do contexto de descoberta e validação.
Piomelli: “Uma vez eu disse a um jornal norte-americano que a maconha era uma das substâncias mais seguras que existem. Essa frase gerou o maior barulho e eu perdi minha paz por algum tempo. Mas mantenho a afirmação: a maconha é uma das substâncias mais seguras que existem”.
G1: Foi com essa convicção que o neurocientista e farmacologista Daniele Piomelli, considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto, defendeu o uso medicinal da polêmica erva.
CLV: Aqui temos um grave problema, seria útil saber o que de fato o cientista declarou. Será que existe algum problema de tradução?! Porque no artigo abaixo, comentado pelo pesquisador D. Piomelli, o que se percebe é que não se trata do uso da “polêmica erva”, mas sim de um componente extraído da cannabis sativa. Logo, ou ele deixou o lado comercial prevalecer; chamando a atenção para as suas pesquisas talvez consiga manter os financiamentos, ou então está declarando algo que só tem sentido no contexto da ciência, ou seja, o leigo irá deturpar sua declaração por não entender nada dos caminhos de testes experimentais da ciência.
Os restantes 20 pacientes receberam CBD, uma substância encontrada na maconha que é considerada responsável pelo amadurecimento ou efeitos de redução de ansiedade. E complementa o pesquisador:
“Ao contrário do principal ingrediente da maconha, o THC, que pode desencadear surtos psicóticos e fazer a esquizofrenia piorar, a CBD possui efeitos antipsicóticos, de acordo com a pesquisa prévia em animais e humanos”
Extrair da planta esta substância que é considerada responsável pelo amadurecimento ou efeitos de redução de ansiedade também é muito caro, e sendo um composto natural talvez haja desinteresse dos laboratórios devido ao problema de patentear o mesmo, o que gera empecilhos comerciais e financeiros, daí a saída popular de se fumar a planta e correr os riscos contidos nela.
CLV: Prezado leitores ou leitoras, fica claro que a matéria jornalística presta um desserviço porque é tendenciosa, se aproveita de um momento do caminhar da humanidade para se promover e com isto reforça a pseudociência em torno do tema “cannabis”, distorce as declarações do pesquisador. Se ele compactua com isto, somente ele poderá responder. Afinal, dizem, a propaganda é a alma do negócio… Ou como diria Luganus, o Capeta dos Ateus… A propaganda gera o negócio da alma. Portanto, resolvi grifar algumas das partes da resposta do pesquisador que contrariam o título da entrevista.
CLV: Daqui para a frente creio que o texto mostrará o que costumo dizer… “Cicuta também permite fazer remédio”. D. Piomelli, da Universidade da Califórnia em Irvine, não é nenhum defensor da legalização da maconha.
“Isso é uma decisão que cabe à sociedade tomar. Nós, cientistas, só fornecemos os fatos”, diz ele. Tampouco ignora os malefícios da droga. “Fumar maconha, como fumar qualquer cigarro, aumenta o risco de câncer de pulmão, de câncer de boca, entre vários outros. Isso não faz bem e uma pessoa sensata evitaria”, afirma. “Há outro problema: o vício. Alguém que fuma maconha por um certo tempo e em certas quantidades acaba desenvolvendo uma compulsão pela droga. Acaba tendo aquela vontade avassaladora de fumar de novo”, diz ele.
CLV: Agora, no parágrafo abaixo a entrevista gera outra confusão.
No entanto, o cientista acredita que a droga tem potencial para tratar pacientes de doenças graves, como câncer e Aids. “Seria imoral, antiético e desumano não fornecer esse alívio para pessoas que estão sofrendo, por motivos que vão além da medicina e que a ciência não fundamenta”, afirma. “Como você vai dizer para alguém com câncer terminal que ele não pode fumar maconha para aliviar sua dor?”
CLV: se o outro artigo já mencionado foi lido com atenção irá se compreender a posição do pesquisador, e no próximo parágrafo da entrevista se percebe isto…
G1: Piomelli espera que as pesquisas científicas na área avancem, sem serem atravancadas por questões políticas e sociais. “Chegou a hora de irmos além da maconha”, diz ele. “Quando tivermos um remédio melhor, eficiente, sem efeitos indesejados, que faça todo o bem que a maconha faz sem trazer todo o mal que ela causa, ninguém vai nem mais lembrar que maconha existe.”
CLV: ou seja, fica claro que o pesquisador se refere não a maconha como um todo mas a compostos específicos desta; e espera que a ciência supere esta etapa.
Leia abaixo a íntegra da entrevista que o cientista deu ao G1.
G1 – O que se sabe sobre os efeitos da maconha no cérebro?
Daniele Piomelli – Nós sabemos, e já sabemos há alguns anos, que existem uma série de compostos no nosso próprio cérebro que agem como uma “maconha natural”. Por isso, são chamados de endocanabinóides, a partir do nome científico da maconha, Cannabis sativa. Normalmente, eles regulam coisas como o sono e a alimentação – e praticamente todos os processos do corpo humano. Quando alguém fuma maconha, esses compostos são “superativados”, passam a funcionar acima do normal, bloqueiam as sensações de dor e dão prazer.
CLV: “Maconha natural”, observe-se que os leigos costumam se confundir aqui e os “torcedores”, digo usuários, através de processos psicológicos bem estudados, por exemplo por L. Festinger em sua Teoria da Dissonância Cognitiva, costumam vibrar, daí os ter chamado de torcedores porque alinham suas crenças reforçando suas perigosas ideologias para a saúde. A série de compostos que agem em nosso cérebro não é uma “maconha natural”, isto é uma péssima metáfora que pode influenciar os hábitos saudáveis em prol de uma vida livre de toxinas.
G1 – Existem possíveis usos terapêuticos para a maconha?
Piomelli – Bom, quanto às propriedades medicinais, nós sabemos que a maconha é usada como um poderoso alívio para a dor crônica — e não há nada muito eficiente contra isso até agora.
CLV: vários médicos e pesquisadores rebatem este ponto, há inúmeras substâncias eficazes, o problema é saber receitar… Posologia, dosagens, etc.
Piomelli -Pessoas com esclerose múltipla também têm benefícios ao fumar maconha, diversas pesquisas já mostraram isso. Ela também ajuda no combate a diversos outros problemas, como estresse, pressão alta, ansiedade, insônia, perda de apetite, cólicas menstruais e problemas intestinais. Agora, a maconha deveria ser usada como remédio? Aí, depende. É preciso fumar maconha para obter seus efeitos e isso faz com que a pessoa consuma uma série de compostos químicos tóxicos e cancerígenos.E isso não faz bem.
Há outro problema: o vício. Há alguns anos, acreditávamos que a maconha não viciava. Hoje, sabemos que não é bem assim. A maconha é capaz, sim, de viciar — ou seja, alguém que fuma maconha por um certo tempo e em certas quantidades, acaba desenvolvendo uma compulsão pela droga. Acaba tendo aquela vontade avassaladora de fumar de novo. O vício existe. É muito mais fraco do que o gerado pela cocaína e pela heroína, e mais fraco que o gerado pela nicotina. Mas existe.
CLV: Notem as perguntas e as respostas, o pesquisador já declarou que é muito caro para se extrair a substância CBD da cannabis donde alguns a fumam mesmo correndo todos os riscos descritos pelo pesquisador.
G1 – Os efeitos negativos da maconha, portanto, não compensariam seus benefícios médicos?
Piomelli – Depende do caso. Se estamos falando de uma pessoa com câncer, por exemplo, ou Aids, ou algum outro problema grave de saúde, na hora de somar os prós e os contras, o alívio da dor que a maconha proporciona, compensa.
Mas se estamos falando de pessoas saudáveis, usando maconha para curar dores de cabeça, é uma irresponsabilidade muito grande. Há métodos mais eficazes, que não trazem os efeitos colaterais indesejados.
G1 – Então, na sua opinião, a maconha deveria, ou poderia, ser prescrita por médicos?
Piomelli – Sim. Eu acredito, e essa é minha opinião pessoal, que no caso de pacientes com câncer, por exemplo, seria imoral, antiético e desumano não fornecer esse alívio para pessoas que estão sofrendo, por motivos que vão além da medicina e que a ciência não fundamenta. Como você vai dizer para alguém com câncer terminal que ele não pode fumar maconha para aliviar sua dor?
Agora, se um paciente entrar no meu consultório pedindo para eu prescrever maconha para curar sua dor de cabeça, eu vou perguntar se ele está maluco e mandar ele tomar uma aspirina.
G1 – O senhor disse que é preciso fumar a maconha para obter seus efeitos. Não existe nenhuma forma além do fumo?
Piomelli – Na verdade, existe, mas não é tão eficiente quanto. Existe uma droga, feita a partir do princípio ativo da maconha, o THC, que tem sido usada para fins terapêuticos em diversos países. Existe a possibilidade de se consumir o THC oralmente, mas os resultados demoram mais para aparecer. E quando você está com dor, quer alívio o mais rápido possível.
O consumo oral do THC passa pelo estômago. Mas quando você fuma a maconha, o THC vai direto do pulmão para a corrente sanguínea, e daí para o cérebro. O efeito é muito mais rápido.
Alguns pacientes também declaram que preferem fumar, porque eles podem controlar exatamente o quanto vão consumir. Eles podem dar duas ou três tragadas, por exemplo, e parar quando se sentem melhor. Quando você toma um comprimido, ele vai ter lá seus 10g ou 20g e você não tem escolha. Se não for o suficiente, vai ter que agüentar. Se for demais, não tem como não absorver.
Ultimamente, tem sido testada uma nova forma de se consumir o THC que tem a velocidade do cigarro, mas não faz mal à saúde: o aerosol. Os médicos pegam o composto e o transformam para que ele possa ser aspirado. Dessa maneira, se tem os mesmos benefícios, mas sem os riscos.
G1 – Como o THC funciona?
Piomelli – O THC não é exatamente o melhor remédio do mundo. Ele atua naqueles componentes do cérebro que falamos antes, os endocanabinóides. Os endocanabinóides regulam praticamente todas as funções do corpo humano, do sono à fome. Por isso, eles são encontrados em locais muito diferentes do cérebro.
O que o THC faz? Ele fortalece todos os endocanabinóides. Todos, ao mesmo tempo. O que acontece? A dor passa, todos os efeitos benéficos aparecem, mas a pessoa fica “doidona”. Quando alguém fuma maconha para fins recreativos a intenção é, exatamente, essa: ficar “doidão”. É esse o objetivo. Que não é o objetivo de quem está com dor e toma THC. Essa pessoa não quer ficar alterada, ela só quer que a dor passe.
O que precisamos é de um remédio eficaz e seguro, que tire a dor, que melhore a náusea, que tenha todos os efeitos benéficos da maconha, e que não tenha os seus efeitos colaterais. Que não deixe ninguém drogado.
G1 – Estamos muito longe de um remédio como esse?
Piomelli – Essa é a grande meta de todas as pesquisas científicas que usam a maconha. No momento, o foco está, principalmente, em se encontrar um meio de aumentar o efeito dos endocanabinóides do cérebro naturalmente. Encontrar algo que faça o próprio corpo liberar os efeitos positivos desses compostos, sem que seja necessário fumar nada. É nisso que maioria das pesquisas está trabalhando no momento.
G1 – Voltando um pouco aos efeitos negativos da maconha. Há pesquisas que dizem que maconha mata neurônios. Outras dizem que não. Afinal de contas, mata ou não mata?
Piomelli – Esse é o grande problema, não é? Temos pesquisas de um lado falando uma coisa e daí vêm pesquisas do outro falando exatamente o oposto.
O que eu posso dizer é que conforme as pesquisas avançam está ficando cada vez mais claro para os cientistas que a maconha não tem nenhum efeito tóxico no cérebro, na quantidade em que é normalmente consumida.
Existem pesquisas que mostram que grandes quantidades de maconha em um curto período de tempo vão gerar uma série de estragos. E elas estão certas. Mas isso também é certo para qualquer coisa. Se você tomar uma grande quantidade de aspirina em um intervalo pequeno, também terá muitos problemas.
Uma vez eu disse a um jornal norte-americano que a maconha era uma das substâncias mais seguras que existem. Essa frase gerou o maior barulho e eu perdi minha paz por algum tempo. Mas, mantenho a afirmação: a maconha é uma das substâncias mais seguras que existem.
É impossível você matar alguém com maconha. O máximo que você vai fazer é botar a pessoa para dormir. Nós temos uma gigantesca lista de remédios usados normalmente muito mais perigosos que isso. A maioria desses analgésicos que são prescritos como água por aí são capazes de matar alguém — em doses não muito maiores do que as consumidas normalmente. E você não mata ninguém com maconha.
G1 – Maconha, então, não faz mal?
Piomelli – Para o cérebro? Não. Para o cérebro de um adulto. Vamos sair por aí permitindo que nossas crianças e adolescentes fumem? Não. O cérebro de um adolescente ainda está em formação. Você diz isso para eles e eles não entendem, mas o fato é que no cérebro de alguém nessa idade ainda falta um monte de coisas. O sistema que é acionado em comportamentos de vício, por exemplo, não está pronto antes da idade adulta. Fumar maconha nessa idade pode fazer um dano enorme. Qual a extensão desse dano? Não sei. As pesquisas ainda não conseguiram definir. Mas, pelo princípio da precaução, adolescentes deveriam passar bem longe disso.
CLV: Talvez este fosse um título melhor para a reportagem… Adolescentes devem ficar bem longe da maconha, talvez muitos nem leriam o artigo. Vejam abaixo mais argumentos expostos pelo pesquisador contra a utilização da cannabis o que contraria o título da entrevista.
Piomelli: Agora, para um adulto, é outra questão. Por enquanto, não temos evidência de nenhum estrago que seja feito pela maconha no cérebro. Mas fumar maconha, como fumar qualquer cigarro, aumenta o risco de câncer de pulmão, de câncer de boca, entre vários outros. Isso não faz bem e uma pessoa sensata evitaria.
A maconha deveria ser liberada? Isso é uma decisão que cabe à sociedade tomar. Nós, cientistas, só fornecemos os fatos.
G1- Na sua opinião, o que podemos esperar do futuro das pesquisas com maconha?
Piomelli – Eu acho, e defendo isso exaustivamente, que chegou a hora de irmos além da maconha. Se temos o composto e temos como ele age no cérebro, já está na hora de podermos dispensar a maconha. Quando isso acontecer, tudo ficará mais fácil. Quando tivermos um remédio melhor, eficiente, sem efeitos indesejados, que faça todo o bem que a maconha faz sem trazer todo o mal que ela causa, ninguém vai nem mais lembrar que maconha existe.
No passado, o ópio era consumido para curar e aliviar de tudo. Tínhamos milhares de pessoas por aí usando. Hoje, o consumo do ópio caiu bruscamente. Ninguém mais usa. Por quê? Porque avançamos. Porque fomos além do ópio. Desenvolvemos uma série de medicamentos muito melhores, e daí ninguém mais precisava disso. É o que precisa acontecer com a maconha.
CLV: Bem, tirem suas conclusões, assim como este existem inúmeros outros artigos e livros por aí tentando vender “a partícula de Deus”, ou outros temas exóticos, é a perigosa pseudociência que faz muitas pessoas se confundirem porque distorce a ciência.
Pela importância do tema e em prol de diluir a tremenda confusão que esta corrente ideológica traz, principalmente para os jovens universitários perdidos entre os efeitos da anomia na sociedade e os argumentos pseucientíficos de supostos expertises em assuntos do qual nada entendem, resolvi postar o texto abaixo, com os devidos créditos. Para se pensar com clareza é preciso lucidez e boas informações, assim como para se escrever bem é preciso ler bons autores.
Indagado várias vezes sobre a crise da ciência, por jovens militantes de movimentos descabidos, como a marcha da maconha, resolvi colocar os textos de Bessa e Kentaro aqui também, tentei contato com os autores, mas não consegui.
Bem… Deveria se marchar por outras coisas, mas cada um pensa ser livre para marchar pelo que quer… Pensa ser livre, mas não é, ninguém é livre de uma ideologia, mas é diferente se tua marcha irá conduzir pessoas ao suplício, ao martírio de si e de outros, como foi o caso do nazismo. Muitos viram isto e alertaram na época, muitos não acreditaram…
Só perceberam o caos tarde demais. Os governos são hábeis em manipular os jovens e a população de modo geral. Justamente, a busca do conhecimento científico nos aproxima de um conhecimento mais livre das tendências ideológicas, de tal modo que os princípios da física, da química, da biologia, da psicologia, devem funcionar independentes da ideologia ser capitalista ou socialista, por exemplo… A ressonância magnética e os medicamentos irão funcionar da mesma forma, independente da ideologia, em qualquer país.
Então, diante da pergunta sobre a crise da ciência… Segue a divertida e consistente resposta de Bessa…
Não temam, não há crise nenhuma! Um diálogo dialético com Boaventura de Souza Santos
Publicado 23 de fev de 2011
Escrito por Bessa
“De certa maneira, o sujeito dialético é interpolado em uma narrativa construtiva que inclui a cultura em sua totalidade. Abundantes teorias existem enfocando o paradigma textual da narrativa, mas o modernismo sugere que o consenso é, apenas e tão somente, um produto da comunicação, desde que o ensaio de Lyotard sobre a narrativa construtiva seja considerado válido. Assim, diversas construções acerca do paradigma materialista do gênero podem ser desveladas.”
Sabe do que se trata o texto acima? Nem eu.
Ele foi produzido por sorteio de palavras no divertido site Pos-modernism generator e traduzido livremente pelo autor deste texto. (Bessa). Comecei o texto com esta citação falsa para dar uma ideia de a que sobrevivi.
Semana passada superei um desafio: Li de capa a capa um livro cujo conteúdo eu discordava escrito em uma linguagem que entendo pouco e que, mais importante, me seduz menos ainda. Em um grupo de discussão do qual participo sobre o conceito de ciência nos foi sugerida a leitura e discussão do livro “ Um discurso sobre a ciência”, do sociólogo português Boaventura de Souza Santos.
Em síntese o autor sugere que a ciência como a conhecemos está em crise e se encaminhando para ser substituída por uma nova forma de fazer ciência. O livro foi o texto curto mais longo que já li. Apesar de serem apenas 51 páginas, tudo é escrito em termos tão empolados e circulares, como bem cabe a um pós-modernista, que poderia muito bem ter sido gerado no programa do site referido acima. Santos sugere pesquisas emblemáticas da física como a relatividade de Einstein e a Física quântica como evidências de que a ciência vai mal das pernas.
Aliás, relatividade e o princípio da incerteza de Heisemberg são dois dos conceitos preferidos de quem quer dobrar a compreensão do que é ciência. Isso porque, a princípio, estes campos subvertem algumas de nossas certezas. É de fato desconcertante pensar que um objeto está e não está em um dado lugar ao mesmo tempo, mas todos que se apropriam destes conceitos o tiram de contexto de forma a ajudar a denegrir o próprio empreendimento que os gerou, a ciência. Para entender melhor o que estes conceitos da física falam e como eles foram distorcidos no raciocínio do Boaventura veja o post do Kentaro. Boaventura segue argumentando que, a seu ver, tudo o que a ciência faz é subjetivo, já que nem suas medidas nem suas ferramentas de análise (a matemática) são precisas. Este é outro exercício corriqueiro dos pós-modernistas.
Relativizar tudo (talvez daí o gosto pela teoria da relatividade em mais um mal-entendido) é dizer que nada é bem assim como pensamos que seja. Entes primitivos da matemática como ponto e zero demandam uma definição, mas daí a dizer que nada que use matemática é preciso é um exagero. Assim o autor escreve: “Em vez da eternidade, a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade, […] em vez da ordem, a desordem.” O que ele descreve como sintomas de uma ciência convalescente, quase moribunda, pode ser apreciado por outros como as ideias que permitiram algumas das maiores revoluções tecnológicas para sedimentar a forma atual de fazer ciência. Não existe uma crise na forma com que fazemos ciência. De fato, a ciência desenvolveu tamanho status que formas de produção de conhecimento, que mereceriam atenção e respeito simplesmente por serem produtoras de conhecimento, disputam para serem aceitas como ciência, muito embora não apliquem o próprio método que define o que é ciência. As limitações e percalços da ciência parecem perder importância, tornando-se a proverbial grama do vizinho.
Boaventura continua discutindo que a ciência está em crise porque não é bela. Em suas próprias palavras: “o conhecimento científico moderno é um conhecimento desencantado e triste, que transforma a natureza num autômato.” Ora, como bom relativista o autor deveria saber que a beleza está nos olhos de quem vê.
Parafraseando o livro de Richard Dawkins, um arco-iris é mais bonito se não soubermos que ele é o resultado da difração da luz por gotículas de água dispersas na atmosfera? Acredito que não.
Ao contrário, aos interessados, a compreensão só irá aumentar a beleza ou o interesse de determinado assunto.
Boaventura de Souza Santos encerra seu livro apresentando como será o novo modelo de produção científica. Bem, ele tentou ao menos. Seus presságios foram escritos perto de 1985 e até o momento nenhuma de suas profecias passou nem perto de concretizar-se.
Ele começa propondo que as ciências duras e humanas se fundirão, convergindo para o modo de ser das ciências humanas.
A ciência dura busca isentar-se de interferir em seus resultados, já as ciências sociais acreditam que a interação é inevitável. Buscar alterar o mínimo possível seus resultados precisa ser um objetivo do cientista, abdicar disto é jogar para cima todo o procedimento que fez a ciência atingir seu status atual.
Se esta previsão do autor se concretizasse a ciência perderia seu caráter, felizmente ele tem se demonstrado muito ruim de chute.
Em mais um exemplo de malabarismo literário o autor afirma que, em sua ciência pós-moderna, não haverá mais separação do conhecimento em áreas.
Novamente transcrevendo-o: “Todo conhecimento é local e total […] Sendo um conhecimento disciplinar, tende a ser disciplinado, ou seja, segrega uma organização do saber orientada para policiar as fronteiras entre as disciplinas e reprimir os que as quiserem transpor.”
Mais uma vez o autor não conhece nada de como se faz ciência de ponta hoje, numa edição recente da Nature a matéria de capa estudava a relação entre formas de governo polinésias usando sistemática filogenética, uma ferramenta tradicionalmente da biologia. Atravessar barreiras é uma das formas mais culturalmente ricas e cientificamente elegantes de gerar novos conhecimentos.
Talvez aí o autor acerte caso suas premonições se concretizem. Particionar o conhecimento em disciplinas acontece porque o volume de informação é tão grande que é impossível dominar muitas áreas.
Já que a ciência pós-moderna que ele propõe parece inviabilizar a produção de um grande volume de conhecimento, é possível que com o tempo voltemos a dominar muitas áreas como na época da história natural.
As duas últimas propostas do autor são: a ciência do futuro será uma forma do cientista se auto-conhecer e que todo conhecimento científico quer ser conhecimento popular. O primeiro é mais uma investida relativista, cientista que quer se conhecer não vai estudar as ligações atômicas possíveis entre elementos químicos, vai fazer terapia!
A ideia é que as pesquisas, as hipóteses e as conclusões que um pesquisador elabora falam mais sobre o pesquisador do que sobre a pergunta.
Não é que não falem sobre o pesquisador, mas o foco delas não é este.
Quem quer auto-conhecimento não vira pesquisador, vira sujeito experimental.
Quanto ao senso-comum, até poderia aceitar que seria interessante que o conhecimento científico fosse tão bem divulgado que fizesse parte do repertório de conhecimento do cidadão comum, mas não tornando-se saber popular.
Ele pode ser dominado pelo público sem perder seu caráter de ciência. Se valeu o sofrimento da leitura? Como disse o Karl, pelo menos o livro ainda gera discussões e posts.
Mas nas próximas reuniões vou pressionar para ser algo mais digesto. E chega que eu acho que este é o post mais longo da história do Ciência à Bessa…
Kentaro Mori e Jô Soares
Texto escrito por Kentaro Mori
in http://www.amalgama.blog.br/02/2011/boaventura-santos-ciencia-pos-moderna/
Formado por ideogramas milenares, o idioma chinês possui uma riqueza digna de tal história: os ideogramas que formam o termo “crise” se constituem daqueles que significam “perigo” e “oportunidade”.
Algo que o sociólogo Boaventura de Souza Santos, em seu Um discurso sobre as ciências (1987), poderia apreciar ao relativizar tanto do contexto cultural e sociológico da ciência, enquanto pretende apontar a crise do “paradigma dominante” da ciência moderna.
Depois de expor sua visão do que constituem os fundamentos do paradigma vigente até poucas décadas antes de 1980, Santos adentra na suposta crise científica: Einstein constitui o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna … Como é que o observador estabelece a ordem temporal de acontecimentos no espaço? …
A fim de determinar a simultaneidade dos acontecimentos distantes é necessário conhecer a velocidade; mas para medir a velocidade é necessário conhecer a simultaneidade dos acontecimentos.
Com um golpe de gênio, Einstein rompe com este círculo, demonstrando que a simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, pode tão só ser definida. É, portanto, arbitrária e daí que, como salienta Reichenbach, quando fazemos medições não pode haver contradições nos resultados uma vez que estes nos devolverão a simultaneidade que nós introduzimos por definição no sistema de medição.
Esta é uma versão peculiar para a compreensão da Teoria da Relatividade, como se fosse um simples “golpe de gênio” fundamentado em uma mudança de convenções.
Como se qualquer um antes de Einstein pudesse ter dado este salto filosófico.
Para minha surpresa, esta versão peculiar é mesmo tomada quase textualmente da obra citada do físico Hans Reichenbach, um celebrado divulgador científico, em especial das ideias de Einstein, de quem chegou a ouvi-las diretamente.
Não há erro nela, exceto no ponto em que Boaventura Santos parece entendê-la, e expressá-la, de forma duvidosa.
Reichenbach ofereceu uma exposição e discussão muito mais longa da Relatividade, onde o mal-entendido, se é que é mal exposto, é desfeito, mas Santos parece contente com o engano subentendido.
Einstein sorrindo
E ele pode ser resumido no fato de que Einstein tornou-se célebre pela Teoria da Relatividade, e não pela Teoria da Arbitrariedade.
(Foi daí que retirei o título de artigo anterior, grato e créditos a Kentaro).
Ainda que Reichenbach, assim como Einstein (ou o contrário seria mais correto), tenha sim ressaltado o caráter arbitrário com que se pode definir a simultaneidade de dois eventos, nenhum deles deixou de expor claramente que esta arbitrariedade está vinculada aos quadros de referência adotados, na forma como se realiza a medição.
O “golpe de gênio” de Einstein não foi meramente filosófico. Não foi puramente arbitrário. Fundamentou-se em descobertas empíricas, ou melhor dizendo, na ausência de uma descoberta empírica em particular — a do éter luminífero — e sua rápida aceitação deveu-se à beleza com que explicava resultados empíricos, como o experimento de Michelson e Morley, um dos mais bem-sucedidos experimentos que não deram certo.
Não apenas a Relatividade só faz sentido e só foi aceita amparada em um conjunto de resultados experimentais, como seu desenvolvimento mais completo, com a Teoria da Relatividade Geral, só seria alcançado incorporando um embasamento matemático que por vezes escapava ao próprio Einstein. Empirismo e matemática.
Continua Santos: O caráter local das medições e, portanto, do rigor do conhecimento que com base nelas se obtém, vai inspirar o surgimento da segunda condição teórica da crise do paradigma dominante, a mecânica quântica. Há vários erros aqui. Santos tenta associar a Teoria da Relatividade – que entende como limitando o rigor do conhecimento a medições locais – com o Princípio da Incerteza. Mas embora hoje os dois conceitos façam a alegria de filósofos pós-modernos, em seu desenvolvimento é célebre como um não inspirou o outro.
Pelo contrário, Einstein jamais aceitou a incerteza, e sua Teoria da Relatividade, ao contrário do entendimento de Santos, ainda lidaria com a possibilidade teórica do determinismo.
Ironicamente, um ponto que ambas ideias de fato revolucionárias teriam em comum é justamente um que, novamente, vai de encontro à visão pós-moderna: tanto a Relatividade quanto o Princípio da Incerteza questionaram o entendimento de fundamentos da física moderna através de descobertas e demonstrações empíricas, reproduzíveis e testáveis, modeladas com rigor matemático.
Longe de serem revoluções arbitrárias, longe de serem construções culturais, estas revoluções científicas são em si mesmas evidência do caráter objetivo e empírico da ciência transcendendo crenças pessoais ou coletivas.
O GPS de seu carro funciona com a Relatividade, com uma precisão de metros fornecida por satélites a milhares de quilômetros por hora. Seu computador é fundamentado na mecânica quântica, efetuando bilhões de cálculos sem erro através de portas lógicas com nanômetros de tamanho.
Isso parece pouco rigor?
Esses são mais frutos utilitários e, se não absoluta, ao menos efetivamente determinísticos e exploratórios da natureza, produzidos pela “crise” da ciência moderna apontada por Santos, e frutos que ele já podia ver em 1985. Podemos não viver no Universo determinístico do demônio de Laplace, onde conhecer o presente com absoluta precisão significaria conhecer o passado e prever o futuro, mas a cosmologia perscruta a evolução do Universo há mais de 13 bilhões de anos.
Esse parece um fracasso? Talvez seja mais do que Laplace poderia ter concebido, que as leis naturais podem ser ao mesmo tempo probabilísticas e rigorosas em escalas quase infinitas, algo que até hoje muitos têm dificuldade em compreender.
Como muitos, Santos parece pensar que, com Einstein, as Leis de Newton foram demolidas, ou que com o Princípio da Incerteza basta desejar uma bicicleta com suficiente afinco para obtê-la.
Em verdade, aqui como em uma galáxia em Andrômeda, maçãs continuarão caindo em direção ao centro de um planeta esférico. Se existirem maçãs em Andrômeda, é claro.
A Relatividade não limita a precisão de uma medida em “local” e “distante”, apenas vincula medidas a um quadro de referência, arbitrário, sim, mas obedecendo com rigor abismal a equações matemáticas descritas por Einstein.
Equações, por sua vez, que só encontram seus limites preditivos no mundo da física quântica – uma que, apesar de possuir caráter probabilístico, permite predições com rigor enorme, o mesmo que fundamenta a precisão digital de seu computador.
Ao discutir os rombos da suposta “crise” na ciência moderna, Boaventura Santos discorre sobre as revoluções como se Einstein, Bohr e Heisenberg dessem seus “golpes de gênio”, como os que ele, como sociólogo, pretende fazer ao expor em 1985 o estado da ciência atual e especular sobre seu futuro.
Mais de vinte anos depois, vemos como a visão de Santos do que era a ciência em 1985 era limitada, e suas previsões sobre o futuro se mostraram míopes.
É revelador que ele entenda que a: teoria de estruturas dissipativas de Prigogine, ou a teoria sinergética de Haken, … a teoria da ‘ordem implicada’ de David Bohm, a teoria de matriz-S de Geoffrey Chew e a filosofia do ‘bootstrap’ que lhe subjaz e ainda a teoria do encontro entre a física contemporânea e o misticismo oriental de Fritjof Capra, todas elas de vocação holística e algumas especificamente orientadas para superar as inconsistências entre a mecânica quântica e a teoria da relatividade de Einstein, todas estas teorias introduzem na matéria os conceitos de historicidade e de processo, de liberdade, de auto-determinação e até de consciência que antes o homem e a mulher tinham reservado para si.
Perceba como Boaventura Santos pensa que Bohm, Chew ou mesmo Fritjof Capra conseguiriam conciliar a Quântica com Relatividade meramente com uma abordagem filosófica diferente!
É novamente a ideia do “golpe de gênio”, e para quem entende que as revoluções científicas da física moderna (ou mesmo da matemática) se dão de forma meramente cultural, sociológica, para quem anuncia que “o discurso científico aproximar-se-á cada vez mais do discurso da crítica literária”, isso pode faz sentido.
O pequeno detalhe é que esta simplesmente não é a realidade, e ao discorrer sobre as ciências, Boaventura Santos simplesmente expõe uma visão fundamentalmente falha do que a ciência foi, e é.
Sem surpresa, falha ao prever como será.
Seu “golpe de gênio” não o tornou duas décadas depois fundador de um novo paradigma científico, apenas o tornou um dos porta-vozes do pós-modernismo em língua portuguesa, e um que, na opinião deste autor, essencialmente se resume a repetir boa parte do pensamento de Fritjof Capra exposto anos antes.
Enquanto Santos anunciava um novo paradigma científico assentado na “sensocomunização”, a ciência de verdade seguia sendo revolucionada por descobertas empíricas que foram de encontro a crenças difundidas na academia, que se dirá no senso comum.
Poucos anos antes, Santos poderia ter mesmo visto como a teoria de deriva dos continentes passou de ideia absurda a um dos principais fundamentos da geologia, graças a uma acumulação cada vez maior de evidências de múltiplas fontes.
Na mesma década de 1980, Santos assistiria como a hipótese de Luis e seu filho Walter Alvarez para a extinção KT como provocada pelo impacto de um asteróide seria gradualmente aceita pela comunidade científica, outra vez devido a inúmeras linhas de evidência diferentes.
Santos deve ter assistido inclusive como as ideias de Fritjof Capra pouco afetaram a física de verdade, apenas alimentaram um mercado de vendedores de pseudociência que bebe das ideias da “ciência pós-moderna” para explorar consumidores.
A estes vendedores de pseudociência, explorar e conciliar o senso comum com a transferência de dinheiro para seus bolsos, isso sim é um paradigma de sucesso.
Mas este é um paradigma muito antigo, anterior mesmo a Bacon, Descartes, ou Hume.
Este é um paradigma do que não é e não deve ser a ciência.
O senso comum é instável e, ele sim, arbitrário e quase unicamente sujeito a convenções sócio-culturais. Pode ser algo como a anedota sobre os ideogramas chineses para “crise” que iniciam este texto, que é simplesmente falsa. Se você acreditou nela, talvez acredite na forma como Santos expressa suas ideias como fatos e pressupostos indiscutíveis. Devem, no entanto, ser muito discutidos. O conflito com o senso comum, quando se descobre que ele é falso, é uma questão complexa, mas não é promovendo um entendimento deficiente da ciência que se irá resolvê-lo.
Compare-se o pensamento de Santos com o do filósofo francês Edgar Morin: “Hoje, sabemos que tudo é ambivalente. Sabemos que a ciência pode produzir benefícios extraordinários e ao mesmo tempo forças de destruição, e de manipulação, que jamais existiram antes. Sabemos que a racionalidade, que é nosso instrumento de inteligibilidade mais confiável, pode bloquear-se e tornar-se racionalização, ou seja, um sistema lógico, coerente, mas que ignora as coisas concretas. Há profunda sabedoria, e nenhum linguajar rebuscado ou pseudo-erudito, nesta breve visão de mundo, que reconhece o valor da ciência e da racionalidade e também seus perigos, sem incorrer em exercícios de manipulação de conceitos e outras técnicas que tornam o pós-modernismo um castelo tão imponente mas tão vazio e carente de fundamento.”
Ao ler Morin, é fascinante encontrar nas ideias de um filósofo conceituado descrições acuradas sobre a forma como se confirmou a teoria do Big Bang através da descoberta da radiação de fundo ou sobre o funcionamento do DNA e a transmissão de características hereditárias. Ao contrário de Santos, Morin não subverte seu entendimento destas ideias científicas a sua própria filosofia.
E, vinte anos depois, as ideias de Morin ainda parecem muito válidas.
Compare-se, por fim, o pensamento de Santos com a visão mais reveladora do que as revoluções em diversas áreas representam no contexto do conhecimento científico, em um curto e belo ensaio de Isaac Asimov – escrito na mesma época que o livro de Santos.
É “A relatividade do errado“. (Postamos também este esclarecedor texto também).
Claro que não deve ser o início e o fim da reflexão sobre o tema, mas se Asimov pode ser um começo, Santos seguramente não é nem isso.
Tanto que, para uma visão muito mais presciente e bela sobre o futuro do processo científico e da popularização do conhecimento, assista-se a esta entrevista com o mesmo Asimov, vide,
feita também na mesma época em que Santos parecia ignorar completamente a revolução das tecnologias de informação.
Asimov, longe de ser um sociólogo, era um bioquímico por formação e um celebrado autor de… ficção científica.
Ao final deste século, é bem provável que Asimov ainda seja lembrado pelos que pensem em ciência.
Se não por seres humanos, talvez por robôs.
A cena, imagino, seria o horror de um pós-modernista, mas, ironia das ironias, é provável que ao final deste século o pós-modernismo tenha passado como a moda que advoga o que a ciência é. O que o substituirá, bem, só os designers de moda podem dizer.
Fato é que as maçãs continuarão caindo, se ainda existirem maçãs.
Seguem comentários feitos no blog de Kentaro, notem como é difícil e haja paciência, rs
6 comentários | Dê sua opinião 1. Hugo Silva 24/02/2011 em 5:57 pm
Primeiramente, não li nada de Boaventura de Souza Santos.
(Lugão questiona… Não seria útil ao debate ter lido sobre o que se vai debater? Haja paciência!)
Mas lendo os trechos que vc cita e seus comentários não consigo compreender certas acusações que vc faz ao texto do sociólogo.
Em um ponto vc diz que ele trata a Teoria da Relatividade “como se qualquer um antes de Einstein pudesse ter dado este salto filosófico”.
Não vejo claramente onde isto está no texto citado. Poderia muito bem ser pensado que existe um “salto filosófico” na Teoria da Relatividade, mas que a impressão de que este salto é simples é decorrente do fato dele já ter sido internalizado pela nossa cultura. Algo que parece simples e óbvio para nós não necessariamente o era antes de se tornar simples e óbvio.
Em outro momento vc cita um texto que diz que a relatividade “inspirou” o surgimento da mecânica quântica.
Vc critica isto dizendo que “é célebre como um não inspirou o outro”.
Entretanto, não é dado ao leitor a oportunidade de descobrir o que significa exatamente “inspirar” no livro de Boaventura de Souza Santos.
Isto porque eu consigo pensar que inspirar possa significar que, uma vez que a teoria da relatividade representa um “salto filosófico” – como dito antes, a primeira teoria tenha inspirado todo o desenvolvimento da ciência posterior que mantém as características filosóficas (paradigmáticas) daquele movimento.
Vc também lança mão de uma oposição entre revoluções culturais (que seriam arbitrárias) e revoluções científicas.
Não visualizo duas coisas: a necessidade de uma oposição (uma mesma revolução poderia ser científica e cultural); e a identificação de cultura com arbítrio. Em outro momento vc pergunta, sobre uma realização da cosmologia contemporânea, se aquilo parece um fracasso. Não consigo entender em que ponto isto se opõe ao que disse Boaventura de Souza Santos.
Nos textos citados, ou no significado do vocábulo “crise”, não parece existir nada que diga que a ciência estaria fracassando ou que isso seja significativo para o argumento do autor.
Por último, me parece que certa parcela dos autores que divulgam, defendem, ou advogam a causa da ciência (daquilo que estes autores entendem por ciência) aqui no Brasil padece de alguns lugares comuns, como certa condenação de um pensamento, que qualificam como um movimento ou uma corrente, chamado pós-modernismo, pós-estruturalismo, construcionismo, ou desconstrução (que seria representado por autores tão diversos quanto Deleuze, Foucault, parte do feminismo radical, e Frijot Capra).
Não vejo a alegada unidade no pensamento destes autores que permita tal identificação.
Acredito que estes expedientes não ajudam em nada o texto, já que o melhor, acredito eu, seria analisar e confrontar idéias, trechos concretos de texto e não “o que seja aquilo que chamam de pós-modernismo”.
Abraço
Responder o Kentaro Mori 24/02/2011 em 7:42 pm
Olá Hugo,
Você diz não conseguir compreender as acusações que fiz, mas seu comentário revela que sim as entendeu, apenas prefere conceder o benefício da dúvida a Boaventura Santos, ao mesmo tempo em que diz que não leu o livro.
Eu poderia ter pinçado outros trechos, ou trechos mais longos.
Poderia ter escrito um outro livro criticando em mais detalhe todos os trechos.
Não foi o que fiz, mas é curioso que você conceda o benefício da dúvida ao acusado, mas não ao acusador.
Como está, penso que os trechos que pincei me parecem suficientemente claros, tanto que, repito, você entendeu a crítica e os erros que apontei.
Contudo, como também repito, se está disposto a imaginar que Boaventura Santos quis dizer praticamente o oposto do que se entende pelos trechos que pincei, ou que qualquer resquício de verossimilhança nos trechos — como uma “inspiração” vaga no sentido de que uma revolução científica poderia motivar outra — então é evidente que discordará do texto.
Mas a discordância deriva de pressupostos, não do texto.
Eu não afirmei que revoluções culturais se opõem completamente às científicas, ou que as primeiras seriam puramente arbitrárias enquanto as últimos inteiramente objetivas.
Releia o texto com atenção e me conceda o benefício da flexibilidade de interpretação que concede a priori a Santos.
Apenas, como critiquei o relativismo de Santos, enfatizei o contraponto. Isso não significa que revoluções culturais não tenham relação com a realidade ou que as científicas não possuam aspectos culturais.
Nos textos citados Boaventura fala de “rombos”, de “crise”.
Ao ler o livro, ficará claro como ele retrata o suposto paradigma científico como fracassado. O livro se divide em três partes, o que seria o paradigma então vigente, sua crise, e então aquilo que o substituiria.
Por fim, Boaventura Santos cita Capra repetidamente, e como expressei, a meu julgamento um quarto ou até metade do livro se constitui daquilo que se lê em Capra. A outra metade podem ser ideias originais de Boaventura, no entanto eu não leio autores pós-modernistas. Jamais aleguei que todos autores pós-modernistas possuem um pensamento monolítico.
Apenas notei que na convergência relevante ao texto, eles estariam errados, e em conjunto. Peço, novamente, que me conceda a generosidade de interpretação e a presunção de que meu pensamento também possui nuances, sendo mesmo tolerante e maleável, que concedeu a Boaventura mesmo sem lê-lo. Porque você leu meu texto, e entendeu por vezes muito do que eu não expressei, nem expressaria. Este benefício, esta generosidade, eu aparentemente não concedi a Boaventura.
Mas eu li seu livro.
Li mesmo que posteriormente ele desdisse muito do que está no livro, e de fato, o próprio livro possui muita ambiguidade e mesmo incoerência.
Se fosse abordar estas questões, de novo, talvez escrevesse um outro livro de crítica, não um texto.
Recomendo a leitura da análise mais concisa e clara do amigo Bessa: http://scienceblogs.com.br/bessa/2011/02/no_temam_no_h_crise_nenhuma_um.php
Cordialmente, Kentaro
Responder Hugo Silva 25/02/2011 em 11:38 am
Olá, Acredito que concedi mais ao Boaventura de Souza Santos devido ao fato de ele não poder responder aqui e também de, como eu disse, eu não ter lido o que ele disse.
Acabei aplicando um pouco de “In dubio pro reo” e presunção de inocência (pra continuar nas metáforas de réu e acusador) em favor de Boaventura. Isto se deve muito ao fato de apenas trechos bem curtos serem citados e de eu não ter lido a obra dele, bem como à clareza da sua exposição.
Tudo isto me fez pensar que, embora eu lhe conceda o benefício da dúvida, o texto de Boaventura de Souza Santos merecia uma suspensão de juízo maior de minha parte (não da sua, já que vc o leu).
Talvez tenha parecido a vc que eu fui muito duro com o seu texto. Neste caso a culpa é minha. Eu gostei do seu texto, ainda que não concorde com algumas leituras que eu acredito implícitas nele.
Com certeza concordo que não existe uma crise das ciências no sentido que vc critica e atribui ao texto do sociólogo (no sentido de uma falta de resultado ou de rigor das ciências exigindo uma superação, um novo paradigma).
O que eu acredito que era o sentido da minha primeira critica ao seu texto é o fato dos textos que vc cita do livro de Souza Santos apenas tocarem marginalmente a interpretação e a crítica realizada.
Talvez outros trechos pudessem ter sido citados para embasar melhor a crítica.
Talvez, realmente, o texto seja muito curto para a crítica que vc pretendia.
Ainda assim, não ache que eu não lhe dou o benefício da dúvida e da flexibilidade de interpretação.
Apenas, como eu disse, vc poderia contra-argumentar, ao contrário do outro pensador.
A segunda crítica não é que vc alega, declaradamente, um pensamento monolítico a vários autores.
Mas vc os coloca todos sobre um mesmo nome (pós-modernistas) e os critica em conjunto, mesmo admitindo que não os lê. Não sei se Boaventura se denomina pós-modernista (acredito que não), mas a categoria esconde um pouco de preguiça mental por parte de certos setores (não estou dizendo que seja o seu caso).
Acho que é fácil dizer: “todos estes pós-modernistas falam isso”.
Ainda que um dos ditos autores falasse, isto não nos permite afirmar sobre os outros. Eu sou leitor de Foucault (em menor medida) e Deleuze – dois ditos pós-modernistas.
Entretanto meu mestrado foi em Hume e Deleuze tem um excelente livro (e um artigo posterior) sobre ele.
Boa parte das acusações de abuso da ciência (pseudociência) feitas principalmente a partir do livro do Sokal e do Bricmont (Imposturas Intelectuais) e das resenhas deste livro são ilusórias, na minha opinião.
Confira a resenha do Dawkins (em inglês: http://richarddawkins.net/articles/824-postmodernism-disrobed, não achei em português) sobre o livro, por exemplo. Ele cita um trecho de um livro do Deleuze e diz que não faz sentido.
E, no entanto, faz.
Este tipo de procedimento (denuncismo – “nada disto faz sentido”, colocar autores diferentes no mesmo saco, não ler honestamente um texto, etc) apenas cria uma posição radical e cega que prefere desqualificar do que debater.
Não estou dizendo que vc faça isto, novamente (mesmo pq vc leu o livro e criticou aquilo que leu).
(Haja paciência, repete Lugão, será que este leitor conhece o conceito de projeção de Freud?)
Mas dizer que isto é comum entre “os autores pós-modernistas” é preconceito e não crítica.
Apenas acredito que o texto não ganha em nada com esta afirmação sobre autores pós-modernistas porque acredito que não existe isso que se convencionou chamar de “autores pós-modernistas”.
Mesmo a hipótese de “se concordassem com isto estariam todos errados” não me parece boa.
Espero que tenha ficado mais claro. Saudações, Hugo.
Responder 2. Livio 02/03/2011 em 9:25 am
Lamento dizer, mas os ideogramas “crise” e “oportunidade”, são um erro de tradução que virou lugar comum depois de uso corrente em neurolinguística e new age http://pinyin.info/chinese/crisis.html
Responder o Hugo Silva 02/03/2011 em 2:07 pm
E isto está dito no texto, um pouco abaixo da figura.
Responder 3. Renato 12/11/2011 em 2:59 pm
Em se tratando de paradigmas seria bom lembrar que a proprio pensamento (filosofia) encerra um paradigma linguistico apenas, nada mais. O que o pensamento pode saber eh cada mais sobre o proprio pensamento, nada mais… Eh um jogo linguistico meus amigos!… A filosofia se presta a responder a apenas duas perguntas: “O que eh realidade?” e “O que eh ser?” ou o que somos?… o que vc eh? e falha nas duas… Nao alcança, com a linguagem (conceitos e ideias) a resposta a tal pergunta, pois a linguagem eh o proprio sujeito que pergunta. Tem um ilustre brasileiro (nao me lembro o nome agora…) que disse: Xadrez eh um jogo que ensina a cada vez mais jogar xadrez, nada mais… E assim eh com a linguagem, com a logica com a razao…O importante entao eh perceber o “ser” por traz do paradigma linguistico… Essa eh a grande sacada. Einsten, Born, Heisenberg sim nos proporcionaram um salto filosofico. Nos deram um vislumbre direto do que eh realidade e do que somos nos,… sim, observadores por tras da propria linguagem, da razao e da logica. O espirito dentro da maquina… Nao existe realidade sem o observador…=) O principio da incerteza tem sim relevancia filosofica e diria mais da um golpe fatal na filosofia e sua finada metafisica.
(Lugão diz, mais um gênio se manifestando, deveria voltar para a garrafa. Neste ponto entendo Olavo de Carvalho quando diz: “Quando ouço falar em cultura, saco logo do meu rolo de papel higiênico!”)
“Talvez o próximo Einstein esteja morrendo de fome na Etiópia”
“Há dinheiro eletrônico suficiente no mundo e tecnologia para resolver a maioria dos problemas humanos em relação à miséria. Lembrem-se, pelos cálculos de 2012, publicados por Yuval Noah Harari, existem 60 trilhões de dólares no mundo (ou seja, a produção anual era de 60 trilhões em 2012), a soma total de moedas e cédulas é de menos de 6 trilhões de dólares. Ou seja, mais de 90% de todo o dinheiro do mundo, mais de 50 trilhões de dólares, (em 2012), existem apenas em servidores de computador, são cifras eletrônicas” (Harari, Y. N. Uma breve história da humanidade – Sapiens, RS, editora LPM, 2016, p. 186.). Esta é a proporção que ainda se mantém, repetindo… Mais de 90% do dinheiro do mundo é virtual, bits, impulsos elétricos em computadores, cifras eletrônicas. Professor Celso Lugão da Veiga -UERJ
Neil deGrasse Tyson (Bronx, EUA, 1958) é um dos divulgadores científicos mais reconhecidos do mundo. Este astrofísico assumiu o lugar de Carl Sagan à frente da nova versão da série Cosmos,programa de sucesso que despertou vocações científicas no mundo inteiro.
Tyson estudou no Instituto de Ciência do Bronx (Nova York), um centro público de ensino médio muito seletivo e especializado em matemática e ciência. Ao final do curso, o próprio Carl Sagan o chamou para que fosse visitá-lo, com a intenção de contratá-lo para sua universidade, Cornell. Tyson preferiu Harvard, mas diz que descobriu em Sagan “o tipo de pessoa em que queria me transformar”.
O cientista comparece pela primeira vez ao festival Starmus, realizado até sábado em Tenerife (ilhas Canárias), na Espanha, onde concedeu esta entrevista ao EL PAÍS.
Neil De Grasse Tyson Spock
Pergunta. Acha que os humanos estão ficando cada vez mais irracionais, mais fanáticos?
Resposta. A primeira coisa que você pode pensar é em culpar as pessoas que se comportam dessa forma, mas eu sou um educador e tenho uma visão um pouco diferente. Acredito que haja comunidades inteiras que se sentem totalmente esquecidas. Há um grupo de pessoas perfeitamente formadas inventando coisas, ganhando mais riqueza por terem inovado. Se você não era bom nas suas aulas de matemática e ciências, se as rejeitava ou simplesmente foi formando outros valores, a primeira reação é rejeitar tudo isso, pensar: “Vocês estão todos equivocados, são meus inimigos”. Isso é muito humano. Isso nos leva a uma mudança no sistema educacional para ensinar às pessoas o que é a ciência e como e por que funciona. Não é só um conjunto de informações que você pode ignorar ou afastar porque assim decide. A ciência é a vida! Há ciência em toda parte, em tudo que nos rodeia, nos materiais, nos tecidos, nos telefones, nos automóveis… Seu celular se comunica com satélites GPS para que você saiba onde fica a casa de sua avó, e que precisa virar à esquerda para chegar. Isso nos lembra que precisamos envolver todo mundo nas novas descobertas tecnológicas, não criar um planeta onde alguns têm acesso a elas e outros não. Porque estes últimos as rejeitarão.
P. E o fato de que se ensine religião nas escolas?
R. Há dois tipos de verdades neste mundo. As pessoais, coisas que você sabe que são reais porque as sente. E há as verdades objetivas, essas que existem independentemente do que você sentir a respeito delas. E=mc2, essa é uma verdade objetiva. Não importa se você está ou não de acordo com ela, é uma verdade. As religiões são verdades pessoais. Para conseguir que alguém esteja de acordo com sua verdade pessoal, é preciso doutrinar ou convencer pela força, pela ameaça de morte. Houve muitíssimas guerras na história porque algumas pessoas tinham uma verdade pessoal diferente das de outrem. Não havia meio de resolver o conflito de forma objetiva, então se mataram para ver quem acabava dominando quem. Isto é ruim para a civilização. O melhor é que você guarde a sua verdade pessoal só para você. E, se conseguir chegar a ser chefe do Estado, ou alguém pode e deve ditar novas leis, numa sociedade livre você não deveria baseá-las nas suas verdades pessoais, porque as estaria impondo a outros que possivelmente não as compartilham. Se você vive em um país com católicos, protestantes, muçulmanos e hindus, e faz uma lei que não se baseia numa verdade objetiva, então isso se torna uma receita para a guerra. É o começo de uma teocracia, não de uma democracia. É o princípio do final de uma democracia bem informada.
“Uma das grandes tragédias da atualidade é que nem todo mundo tenha a oportunidade de ser tudo o que pode”
P. Como civilização, você acha que evoluiremos até um ponto em que deixemos de nos exterminar mutuamente?
R. Vivemos no tribalismo. Os antropólogos sabem que os humanos são tribais por natureza. Existem a minha família e o meu povo, e se você estiver de fora é meu inimigo. Você pode se perguntar que tamanho deseja que a sua tribo tenha. Inclui todo mundo sobre a Terra? Todos os seres humanos? Essa é provavelmente a melhor solução para a sociedade. Mais do que a minha família, minha idade, as pessoas que falam meu idioma, as que têm o meu aspecto… E assim você toma decisões que beneficiam a todos e não são excludentes. Para isso precisamos que a nossa civilização evolua, como você diz.
R. Não estou de acordo com a utilidade dessa ideia. Pode ser que destruamos este planeta e tenhamos de ir morar em Marte. Mas antes será preciso transformá-lo para que seja como a Terra, e enviar alguns bilhões de pessoas para lá. Se tivermos a capacidade de transformar Marte dessa forma, também podemos mudar a Terra para que volte a se parecer com o que era. Não há necessidade de ir embora. É possível arrumar as coisas aqui em vez de reformar outro planeta. Então, a solução de Hawking funciona muito bem como manchete, mas na prática ninguém faria isso, simplesmente consertaríamos a Terra.
P. Antes, você falou da desigualdade como razão da rejeição à ciência e raiz do radicalismo. Estamos melhorando ou piorando nesse aspecto?
Чужой против Хищника Alien vs Predator
“E=mc2: essa é uma verdade objetiva. Não importa se você está de acordo com ela, é uma verdade. As religiões são verdades pessoais”
R. A educação é chave: ter líderes bem formados, ilustrados, não corruptíveis. Em muitas nações em desenvolvimento, é a própria corrupção que impede que o país todo cresça como deveria. A gente poderia ver isso a partir de uma postura muito egoísta e dizer que o próximo Einstein talvez esteja morrendo de fome na Etiópia, e a gente nunca saberá, porque é uma criança sem comida. Como cientista, quero que seja dada uma oportunidade a todo aquele que tiver a chance de pensar em como melhora nossa civilização. Se Isaac Newton tivesse nascido na África, acho que nunca teria conseguido chegar aonde chegou. Iria só se preocupar em não morrer. É verdade que ele se mudou para o campo a fim de evitar a peste em Londres, então sabia, sim, o que fazer para sobreviver nesse contexto. Mas, se perdermos gente assim na infância, estaremos reprimindo o avanço da nossa própria civilização. Uma das grandes tragédias da atualidade é que nem todo mundo tenha a oportunidade de ser tudo o que pode.
P. A Espanha (e outros países) atravessa uma crise econômica que levou a cortes de muitos investimentos em ciência e conhecimento. O que diria ao próximo presidente do Governo da Espanha se lhe pedisse um conselho?
R. Não, minhas palavras não seriam para o presidente, e sim para os que o elegeram. É preciso que entendam por que um político deveria ou não tomar certas decisões. Achamos que seria suficiente falar com o líder do Governo porque ele está no comando, mas suponhamos que seu presidente diga: “Sim, investiremos mais em pesquisa e desenvolvimento”. E que o público diga: “Não, espere, tenho fome agora, sou pobre.” Então isso deixa de funcionar. As políticas não conseguem se tornar realidade. Precisamos entender o valor da pesquisa e do desenvolvimento. Assim, quando o Chefe de Governo decidir fazê-lo, todo mundo o apoiará, não haverá discussão, pois todos entenderão a importância da iniciativa. Se você implementa uma série de investimentos, esperando que alguns tenham rentabilidade no curto prazo, outros no médio e outros no longo prazo, sempre haverá um fluxo de descobertas que você poderá apontar como resultados dos investimentos. Isso poderia funcionar. Sempre haveria algo do que falar, algo inventado na Espanha, uma nova máquina, um novo tratamento médico, tecnologias… Essas são as economias que vão liderar a civilização ao longo do século XXI.
Eisntein 1939
“Não há necessidade de ir embora. É possível arrumar as coisas aqui em vez de reformar outro planeta”
P. Você diz que do Instituto do Bronx (Nova York), onde estudou, saíram oito prêmios Nobel, a mesma quantidade obtida por toda a Espanha, por exemplo – cuja maioria não é de ciência, mas de literatura. O que isso significa?
R. O Nobel de Literatura é algo muito bom. Comunicação, ideias, histórias. É uma parte fundamental do ser humano: compartilhar histórias de outros. Mas vocês precisam se perguntar se na Espanha se conformam com isso ou se querem mais. Se as pessoas não querem mais, está bem, mas então não podem se queixar de que a economia não seja tão competitiva como outras da Europa ou do resto do mundo. Eu perguntaria: vocês têm feiras de ciência onde os estudantes fazem seus projetos e recebem reconhecimento por pensar de forma científica sobre o mundo? Por exemplo, agora estamos no festival Starmus. Eu me pergunto onde estão as grandes empresas que deveriam estar apoiando um evento assim. Possivelmente, acreditam que isso não é importante. Estão erradas. Isso é importante para todo mundo, para seu futuro, incluído o econômico. Você pode escolher não fazê-lo, mas irá a reboque do resto do mundo, dos que inventam. Suas doenças serão curadas graças aos esforços de pesquisa de outros países. Não há nada de ruim nisso, mas você terá de pagar o preço.
“A ciência não é só um conjunto de informação que você pode ignorar. A ciência é vida!”
P. Os empresários também pensam que não há um retorno econômico nesse tipo de iniciativa…
R. Ah, claro, o retorno não virá neste trimestre, nada no balanço anual. É algo que chegará muito depois. A rainha Isabel, a Católica, sabia disso. Quando ela enviou Colombo à sua expedição, não estava pensando em recuperar o investimento no ano seguinte. Sabia que apostava no longo prazo, no futuro da Espanha. E, neste caso em particular, podemos discutir se o império espanhol foi algo bom ou ruim, mas certamente foi algo, refletia uma visão de país. Portanto, se você não reinvestir seus lucros em pesquisa, verá como eles cairão…
P. Que questões da astrofísica lhe interessam mais na atualidade?
R. Amamos o desconhecido. Estou interessado nas ondas gravitacionais, na matéria escura, na energia escura, na busca por vida. Há um multiverso? Podemos criar um buraco de minhoca? Há vida em Europa, uma das luas de Júpiter? E em Marte? Adoro todas essas perguntas. Mas a que eu mais gosto é dessa que nem sequer sei como formular ainda.
Famous Scientists As Children. Stephen Hawking, J Robert Oppenheimer, Marie Curie, John Von Neumann, Thomas Edison, Charles Darwin, Alan Turing, Albert Einsten.
Este é o problema de nossa espécie, olhando para estas crianças você não pode prever as imensas contribuições de cada uma delas para a espécie humana no futuro.
Claro que não se está a dizer que apenas para as crianças brilhantes se justificariam os cuidados que se deve ter com a educação. O argumento aqui é justamente que todos devem ter cuidados e oportunidades para que frutifiquem, sejam felizes, tenham carinho… Conforme diz Neil de Grasse Tyson, uma criança que poderia vir a ser um gênio pode estar morrendo de fome agora em algum lugar do mundo… E, nenhuma criança, aliás, precisaria estar morrendo de fome… “Há dinheiro eletrônico suficiente no mundo e tecnologia para resolver a maioria dos problemas humanos em relação à miséria. Lembrem-se, pelos cálculos de 2012, publicados por Yuval Noah Harari, existem 60 trilhões de dólares no mundo, a soma total de moedas e cédulas é de menos de 6 trilhões de dólares. Ou seja, mais de 90% de todo o dinheiro do mundo, mais de 50 trilhões de dólares existem apenas em servidores de computador, são cifras eletrônicas” (vide Harari, Y. N. Uma breve história da humanidade – Sapiens, RS, editora LPM, 2016, p. 186.)
Remake da série ‘Cosmos’ alimenta fascínio pelos mistérios do espaço
Lendária série de divulgação científica dos anos oitenta alcança nova geração repaginada
By Isaac Asimov
Outro dia eu recebi uma carta. Estava escrita à mão em uma letra ruim, tornando a leitura muito difícil. Não obstante, eu tentei devido à possibilidade de que fosse alguma coisa importante. Na primeira frase, o escritor me disse que estava se formando em literatura Inglesa, mas que sentia que precisava me ensinar ciência. (Eu suspirei levemente, pois conhecia muito poucos bacharéis em literatura inglesa equipados para me ensinar ciência, mas sou perfeitamente ciente do meu estado de vasta ignorância e estou preparado para aprender tanto quanto possa de qualquer um, então continuei lendo.)
Parece que em um de meus inúmeros ensaios, eu expressei certa felicidade em viver em um século em que finalmente entendemos o básico sobre o universo…
Prof. Lugão informa que no final postou a entrevista completa do físico Marcelo Gleiser, que fala inclusive do bóson de Higgs, e mais alguns vídeos sobre o assunto Percebam como a mídia distorce informações para enganar as pessoas e vender livros ( O segredo), filmes (Quem somos nós). A tal partícula de Deus foi um nome inventado por um editor e não tem o menor sentido; no vídeo do físico Michio Kaku esta questão é reforçada.
Eu não entrei em detalhes, mas o que eu queria dizer era que agora nós sabemos as regras básicas que governam o universo, assim como as inter-relações gravitacionais de seus grandes componentes, como mostrado na teoria da relatividade elaborada entre 1905 e 1916. Também conhecemos as regras básicas que governam as partículas subatômicas e suas inter-relações, pois elas foram descritas muito ordenadamente pela teoria quântica elaborada entre 1900 e 1930. E mais, nós descobrimos que as galáxias e os aglomerados de galáxias são as unidades básicas do universo físico, como descoberto entre 1920 e 1930.
Veja, essas são todas descobertas do século vinte.
O jovem especialista em literatura inglesa, depois de me citar, continuou me dando uma severa bronca a respeito do fato de que em todos os séculos as pessoas pensaram que finalmente haviam compreendido o universo, e em todos os séculos se provou que elas estavam erradas. Segue que a única coisa que nós podemos dizer sobre nosso “conhecimento” moderno é que está errado. O jovem citou então com aprovação o que Sócrates disse ao saber que o oráculo de Delfos o tinha proclamado o homem o mais sábio da Grécia: “se eu sou o homem o mais sábio”, disse Sócrates, “é porque só eu sei que nada sei”. A consequência era que eu era muito tolo porque tinha a impressão de saber bastante.
Minha resposta a ele foi esta: “John, quando as pessoas pensavam que a Terra era plana, elas estavam erradas. Quando pensaram que a Terra era esférica, elas estavam erradas. Mas se você acha que pensar que a Terra é esférica é tão errado quanto pensar que a Terra é plana, então sua visão é mais errada do que as duas juntas”.
O problema básico é que as pessoas pensam que “certo” e “errado” são absolutos; que tudo que não é perfeitamente e completamente certo é totalmente e igualmente errado.
Entretanto, eu penso que não é assim. Parece-me que certo e errado são conceitos nebulosos, e eu devotarei este ensaio a explicar por que eu penso assim.
… Quando meu amigo, o perito em literatura inglesa, me disse que em todos os séculos os cientistas pensaram ter entendido o universo e estavam sempre errados, o que eu quero saber é quão errados estavam eles? Todos estão errados no mesmo grau? Vamos dar um exemplo.
Nos primeiros dias da civilização, a sensação geral era que a Terra era plana. Não porque as pessoas eram estúpidas, ou porque queriam acreditar em coisas estúpidas. Achavam que era plana por evidências sólidas. Não era só uma questão de “parece que é”, porque a Terra não parece plana. Ela é caoticamente irregular, com montes, vales, ravinas, penhascos, e assim por diante.
Naturalmente há planícies onde, em áreas limitadas, a superfície da Terra parece relativamente plana. Uma dessas planícies está na área do Tigre/Eufrates, onde a primeira civilização histórica (com escrita) se desenvolveu, a dos Sumérios.
Talvez tenha sido a aparência da planície que convenceu os Sumérios inteligentes a aceitar a generalização de que a Terra era plana; que se você nivelasse de algum modo todas as elevações e depressões, sobraria uma superfície plana. Talvez tenha contribuído com essa noção o fato que as superfícies d’água (reservatórios e lagos) parecem bem planas em dias calmos.
Uma outra maneira de olhar é perguntar qual é a “curvatura” da superfície da terra ao longo de uma distância considerável, quanto a superfície se desvia (em média) do plano perfeito. A teoria da Terra plana diria que a superfície não se desvia em nada de uma forma chata, ou seja, que a curvatura é 0 (zero) por milha.
É claro que hoje em dia aprendemos que a teoria da Terra plana está errada; que está tudo errado, enormemente errado, certamente. Mas não está. A curvatura da terra é quase 0 (zero) por milha, de modo que embora a teoria da Terra plana esteja errada, está quase certa. É por isso que a teoria durou tanto tempo.
Havia razões, com certeza, para julgar insatisfatória a teoria da Terra plana e, por volta de 350 A.C., o filósofo grego Aristóteles as resumiu. Primeiro, algumas estrelas desapareciam para o hemisfério do sul quando se viajava para o norte, e desapareciam para o hemisfério norte quando se viajava para o sul. Segundo, a sombra da Terra na Lua durante um eclipse lunar era sempre o arco de um círculo. Em terceiro lugar, aqui na própria Terra, é sempre o casco dos navios que desaparece primeiro no horizonte, em quaisquer direções que viajem.
Todas as três observações não poderiam ser razoavelmente explicadas se a superfície da Terra fosse plana, mas poderiam ser explicadas supondo que a Terra fosse uma esfera.
E mais, Aristóteles acreditava que toda matéria sólida tendia a se mover para o centro comum, e se a matéria sólida fizesse isso, acabaria como uma esfera. Qualquer volume dado de matéria está, em média, mais perto de um centro comum se for uma esfera do que se for qualquer outra forma.
Cerca de um século após Aristóteles, o filósofo grego Eratóstenes notou que o Sol lançava sombras de comprimentos diferentes em latitudes diferentes (todas as sombras teriam o mesmo comprimento se a superfície da Terra fosse plana). Pela diferença no comprimento da sombra, calculou o tamanho da esfera terrestre, que teria 25.000 milhas (cerca de 40.000 km) de circunferência.
Tal esfera se encurva aproximadamente 0,000126 milhas por milha, uma quantidade muito perto de 0, como você pode ver, e que não seria facilmente mensurável pelas técnicas à disposição dos antigos. A minúscula diferença entre 0 e 0,000126 responde pelo fato de que passou tanto tempo para passar da Terra plana à Terra esférica.
Note que mesmo uma diferença minúscula, como aquela entre 0 e 0,000126, pode ser extremamente importante. Essa diferença vai se acumulando. A Terra não pode ser mapeada em grandes extensões com nenhuma exatidão se a diferença não for levada em conta e se a Terra não for considerada uma esfera e não uma superfície plana. Viagens longas pelo mar não podem ser empreendidas com alguma maneira razoável de encontrar sua própria posição no oceano a menos que a Terra seja considerada esférica e não plana. Além disso, a Terra plana pressupõe a possibilidade de uma terra infinita, ou da existência de um “fim” da superfície. A Terra esférica, entretanto, postula que a Terra seja tanto sem fim como no entanto finita, e é este postulado que é consistente com todas as últimas descobertas.
Assim, embora a teoria da Terra plana esteja somente ligeiramente errada e seja um crédito a seus inventores, uma vez que se considere o quadro todo, é errada o suficiente para ser rejeitada em favor da teoria da Terra esférica.
Mas a Terra é uma esfera?
Não, ela não é uma esfera; não no sentido matemático estrito. Uma esfera tem determinadas propriedades matemáticas — por exemplo, todos os diâmetros (isto é, todas as linhas retas que passam de um ponto em sua superfície, através do centro, a um outro ponto em sua superfície) têm o mesmo comprimento.
Entretanto, isso não é verdadeiro na Terra. Diferentes diâmetros da Terra possuem comprimentos diferentes.
O que forneceu a ideia de que a Terra não era uma esfera verdadeira? Para começar, o Sol e a Lua têm formas que são círculos perfeitos dentro dos limites de medida nos primeiros dias do telescópio. Isso é consistente com a suposição de que o Sol e a Lua são perfeitamente esféricos.
Entretanto, quando Júpiter e Saturno foram observados por telescópio pela primeira vez, logo ficou claro que as formas daqueles planetas não eram círculos, mas claras elipses. Isso significava que Júpiter e Saturno não eram esferas de fato.
Isaac Newton, no fim do século dezessete, mostrou que um corpo de grande massa formaria uma esfera sob atração de forças gravitacionais (exatamente como Aristóteles tinha proposto), mas somente se não estivesse girando. Se girasse, aconteceria um efeito centrífugo que ergueria a massa do corpo contra a gravidade, e esse efeito seria tão maior quanto mais perto do equador. O efeito seria tão maior quanto mais rapidamente o objeto esférico girasse, e Júpiter e Saturno certamente giravam bem rapidamente.
A Terra gira muito mais lentamente do que Júpiter ou Saturno, portanto o efeito deveria ser menor, mas deveria estar lá. Medidas de fato da curvatura da Terra foram realizadas no século dezoito e provaram que Newton estava correto. Em outras palavras, a Terra tem uma protuberância equatorial. É achatada nos pólos. É um “esferoide oblato” e não uma esfera. Isto significa que os vários diâmetros da terra diferem em comprimento. Os diâmetros mais longos são os que vão de um ponto no equador a outro ponto oposto no equador. Esse “diâmetro equatorial” é de 12.755 quilômetros (7.927 milhas). O diâmetro mais curto é do pólo norte ao pólo sul e este “diâmetro polar” é de 12.711 quilômetros (7.900 milhas).
A diferença entre o maior e o menor diâmetro é de 44 quilômetros (27 milhas), e isso significa que a “oblacidade” da Terra (sua diferença em relação à esfericidade verdadeira) é 44/12755, ou 0,0034. Isto dá 1/3 de 1%.
Em outras palavras, em uma superfície plana, a curvatura é 0 em todos os lugares. Na superfície esférica da Terra, a curvatura é de 0,000126 milhas por milha todos os lugares [ou 8 polegadas por milha (12,63cm/km)]. Na superfície esferoide oblata da Terra, a curvatura varia de 7,973 polegadas por milha (12,59cm/km) a 8,027 polegadas por milha (12,67cm/km).
A correção de esférico a esferoide oblato é muito menor do que de plano a esférico. Consequentemente, embora a noção da Terra como uma esfera seja errada, estritamente falando, não é tão errada quanto a noção da Terra plana.
Mesmo a noção esferoide oblata da Terra é errada, estritamente falando. Em 1958, quando o satélite Vanguard I foi posto em órbita sobre a Terra, ele mediu a força gravitacional local da Terra — e consequentemente sua forma — com precisão sem precedentes. No fim das contas, descobriu-se que a protuberância equatorial ao sul do equador era ligeiramente mais protuberante do que a protuberância ao norte do equador, e que o nível do mar do pólo sul estava ligeiramente mais próximo o centro da terra do que o nível do mar do pólo norte.
Não parecia haver nenhuma outra maneira de descrever isso senão que dizendo a Terra tinha o formato de uma pêra, e muitas pessoas decidiram que a Terra não se parecia em nada com uma esfera mas tinha a forma de uma pêra Bartlett dançando no espaço. Na verdade, o desvio do formato de pêra em relação ao esferoide oblato perfeito era uma questão de jardas e não de milhas, e o ajuste da curvatura estava na casa dos milionésimos de polegada por milha.
Em suma, meu amigo literado em inglês, viver em um mundo mental de certos e errados absolutos pode significar imaginar que uma vez que todas as teorias são erradas, podemos pensar que a Terra seja esférica hoje, cúbica no século seguinte, um icosaedro oco no seguinte e com formato de rosquinha no seguinte.
O que acontece na verdade é que uma vez os cientistas tomam um bom conceito, eles o refinam gradualmente e o estendem com sutileza crescente à medida que seus instrumentos de medida melhoram. As teorias não são tão erradas quanto incompletas.
Isto pode ser dito em muitos casos além da forma da Terra. Mesmo quando uma nova teoria parece representar uma revolução, ela geralmente surge de pequenos refinamentos. Se algo mais do que um pequeno refinamento fosse necessário, então a teoria anterior não teria resistido.
Copérnico mudou de um sistema planetário centrado na Terra para um centrado no Sol. Ao fazer isso, mudou de algo que era óbvio para algo que era aparentemente ridículo. Entretanto, era uma questão de encontrar melhores maneiras de calcular o movimento dos planetas no céu, e a teoria geocêntrica acabou sendo deixada para trás. Foi exatamente porque a teoria antiga dava resultados razoavelmente bons pelos padrões de medida da época que ela se manteve por tanto tempo.
Novamente, foi porque as formações geológicas da Terra mudam tão lentamente e as coisas vivas sobre ela evoluem tão lentamente que parecia razoável no início supor que não havia nenhuma mudança e que a Terra e a vida sempre existiram como hoje. Se isso fosse assim, não faria nenhuma diferença se a Terra e a vida tinham bilhões ou milhares de anos. Milhares eram mais fáceis de se entender. Mas quando cuidadosas observações mostraram que a Terra e a vida estavam mudando a uma taxa que era minúscula mas não nula, a seguir tornou-se claro que a Terra e a vida tinham que ser muito antigas. A geologia moderna surgiu, e também a noção de evolução biológica.
Se a taxa de mudança fosse maior, a geologia e a evolução alcançariam seu estado moderno na Antiguidade. É somente porque a diferença entre as taxas de mudança em um universo estático e em um evolutivo estão entre zero e quase zero que os criacionistas continuam propagando suas loucuras.
Uma vez que os refinamentos na teoria ficam cada vez menores, mesmo teorias bem antigas devem ter estado suficientemente certas para permitir que avanços fossem feitos; avanços que não foram anulados por refinamentos subsequentes.
Os Gregos introduziram a noção de latitude e longitude, por exemplo, e fizeram mapas razoáveis da bacia mediterrânea mesmo sem levar em conta a esfericidade, e nós usamos ainda hoje latitude e longitude.
Os Sumérios provavelmente foram os primeiros a estabelecer o princípio de que os movimentos planetários no céu são regulares e podem ser previstos, e tentaram achar maneiras de fazê-lo mesmo assumindo a Terra como o centro do universo. Suas medidas foram enormemente refinadas mas o princípio permanece.
Naturalmente, as teorias que temos hoje podem ser consideradas erradas no sentido simplista do meu correspondente bacharel em literatura inglesa, mas em um sentido muito mais verdadeiro e mais sutil, elas precisam somente ser consideradas incompletas.
Palavras do professor Celso Lugão
Este texto se soma ao artigo de Carl Sagan, sobre ceticismo, e também ao texto sobre Física Quântica ou os gatos verdes de Lugão.
O vídeo abaixo contém uma excelente entrevista do físico brasileiro Marcelo Gleiser. É interessante observar seu esforço e paciência para com as perguntas dos repórteres. Cabe observar que, em princípio, estes repórteres estão num patamar intelectual bem acima do que a população em geral, apesar disto as perguntas demonstram uma fase bem primária na compreensão da atividade científica.
Entrevista Gleiser
Enviado por Glauber Marcius (Thanks)
Explicação sobre o boson de higgs
Michio Kaku explica cordas e o bóson de Higgs
O texto de I. Asimov foi extraído de The Skeptical Inquirer, Fall 1989, Vol. 14, No. 1, Pp. 35-44
Há apenas um regime de sabedoria humana, de alegação humana de conhecimento, que realmente cumpre a tarefa, e é a Ciência. As religiões dariam seus dentes caninos para serem capazes de predizer qualquer coisa com tal precisão. Pensem em quanta milhagem fariam se alguma vez pudessem fazer predições comparavelmente precisas e sem ambiguidades.
Fui criança numa época de esperança. Cresci quando as expectativas em relação à Ciência eram muito altas: nos anos 1930 e 1940. Entrei na faculdade no início dos anos 1950, obtive meu Ph.D. em 1960. Havia um senso de otimismo sobre a Ciência e o futuro. Eu sonhava em ser capaz de fazer Ciência. Cresci no Brooklyn, Nova Iorque, e era um garoto de rua. Vinha de um amável núcleo familiar, mas passei muito tempo nas ruas, como as crianças faziam então. Conhecia cada arbusto e cerca, poste de luz, varanda e parede de anfiteatro, por jogar handball chinês. Mas havia um aspecto daquele ambiente que, por alguma razão, me deixava perplexo por sua diferença, eram as estrelas.
Mesmo com uma hora de dormir mais cedo no inverno, você conseguia ver as estrelas. O que elas eram? Não eram como cercas ou mesmo postes de luz; eram diferentes. Então perguntei a meus amigos o que eram elas. Disseram “São luzes no céu, garoto”. Eu podia reconhecer que eram luzes no céu, mas isso não era uma explicação. Quero dizer, o que eram elas? Pequenas lâmpadas elétricas em longos fios pretos, de forma que não se podia ver no que estavam presas? O que eram elas?
Não apenas ninguém conseguia me dizer, como ninguém ao menos sentia que era uma pergunta interessante. Olhavam-me de forma engraçada. Perguntei a meus pais; perguntei aos amigos dos meus pais; perguntei a outros adultos. Nenhum deles sabia.
Minha mãe me disse, “Veja, acabamos de lhe conseguir um cartão de biblioteca. Pegue-o, entre no bonde, vá à Biblioteca Pública, retire um livro e ache as respostas”.
Pareceu-me uma ideia fantasticamente inteligente. Fiz a jornada. Pedi à bibliotecária um livro sobre as estrelas. (Eu era bem pequeno; ainda consigo me lembrar de ter de olhar pra cima para enxergá-la, e ela estava sentada.) Ela saiu durante alguns minutos, trouxe um livro e entregou-me. Sentei-me ansiosamente e abri as páginas. Mas o livro era sobre Jean Harlow e Clark Gable, acho, uma terrível decepção. Então voltei a ela, expliquei (o que pra mim não era fácil) que aquilo não era o que eu tinha em mente e tudo mais, que eu queria era um livro sobre as estrelas reais. Ela achou aquilo engraçado, o que me embaraçou mais ainda. De qualquer forma, ela saiu e trouxe outro livro, o tipo certo de livro. Peguei o livro e o abri, folheei as páginas lentamente, até chegar à resposta.
Estava lá. Era formidável. A resposta era que o Sol era uma estrela, mas muito distante. As estrelas eram sóis; se você estivesse perto delas, pareceriam como o nosso sol. Tentei imaginar o quão longe do Sol você precisaria estar para que ele parecesse tão opaco como uma estrela. É claro que eu não conhecia a lei do inverso do quadrado da propagação da luz; não tinha a mínima chance de desvendar tal coisa. Mas me parecia claro que você teria de estar muito longe. Bem mais longe, provavelmente, do que New Jersey. A ideia deslumbrante de um universo vasto além da imaginação passou por mim. E ficou comigo desde então.
Fiquei amedrontado. E mais tarde (demorei vários anos para descobrir isso), me dei conta de que estávamos num planeta – um pequeno mundo, sem luz própria andando em torno da nossa estrela. E então todas aquelas outras estrelas devem ter planetas andando em volta delas. Se planetas, então vida, inteligência, outros “Brooklyns” – quem sabe? A diversidade desses mundos possíveis me comoveu. Eles não teriam de ser exatamente como o nosso, tinha certeza.
Parecia a coisa mais excitante a estudar. Não me dei conta de que você poderia ser um cientista profissional; tinha a ideia de que eu precisava ser, não sei, um vendedor (meu pai disse que era melhor do que manufatura de coisas), e fazer Ciência nos fins de semana e à noite. Foi somente no segundo ano do secundário que meu professor de Biologia revelou-me que existia tal coisa como um cientista profissional, que era pago por isso; de forma que você poderia gastar todo seu tempo aprendendo sobre o universo. Foi um dia glorioso.
Foi uma grande sorte minha – nasci exatamente na época certa – para ter tido, até certa medida, aquelas ambições de infância satisfeitas. Envolvi-me com a exploração do sistema solar, no mais fascinante paralelo à ficção científica da minha infância. Nós realmente mandamos espaçonaves a outros mundos. Voamos por eles; os orbitamos; pousamos neles. Projetamos e controlamos os robôs. Mande-o cavar e ele cava. Mande-o determinar a química de uma amostra de solo, e ele determina a química. Para mim o contínuo da admiração infantil e ficção científica precoce à realidade profissional foi quase imperceptível. Nunca foi, “Oh, puxa, não é nada do que eu tinha imaginado”. Justamente o oposto: é exatamente como eu imaginava. Então me sinto enormemente afortunado.
Ciência ainda é uma das minhas maiores alegrias. A popularização da Ciência que Isaac Asimov realizou tão bem – a comunicação não apenas de descobertas, mas dos métodos da Ciência – me parece tão natural quanto respirar. Afinal, quando se está apaixonado, você quer contar para o mundo todo. A ideia de que cientistas não deveriam falar sobre sua ciência ao público me parece bizarra.
Há outra razão por que acho a popularização da Ciência importante, porque tento fazê-la. É um presságio que tenho – talvez calamitoso – de uma América na geração dos meus filhos, ou na geração dos meus netos, quando todas as indústrias de manufatura terão escapulido para outros países; quando seremos uma economia de serviço e processamento de informação; quando aterradores poderes tecnológicos estarão nas mãos de poucos, e ninguém representando o interesse público ao menos entende o problema; quando as pessoas (por “as pessoas” quero dizer a maior parte da população numa democracia) terão perdido a habilidade de definir suas próprias agendas, ou mesmo questionar inteligentemente aqueles que definem as agendas; quando não haverá a prática de questionar aqueles que têm autoridade; quando, apertando nossos cristais e religiosamente consultando nossos horóscopos, nossas faculdades críticas num íngreme declínio, incapazes de distinguir o que é verdade e o que nos faz sentir bem, escorregamos, quase sem notar, na superstição e escuridão. O CSICOP desempenha um papel solitário, mas ainda – e nesse caso a palavra deve estar correta – heroico na tentativa de agir contra algumas dessas tendências.
Temos uma civilização baseada na Ciência e tecnologia, e engenhosamente arranjamos as coisas de modo que quase ninguém entende Ciência e tecnologia. Isto é mais claramente uma receita para o desastre do que você pode imaginar. Embora possamos lidar com essa mistura combustível de ignorância e poder por algum tempo, mais cedo ou mais tarde, explodirá nas nossas caras. O poder da tecnologia moderna é tão formidável que é insuficiente apenas dizer: “Bem, aqueles no comando, tenho certeza, estão fazendo um bom trabalho”. Isto é uma democracia, e para que tenhamos certeza de que o poder da Ciência e tecnologia sejam usados própria e prudentemente, nós mesmos devemos entender Ciência e tecnologia. Devemos nos envolver no processo de tomada de decisões.
Os poderes de predição de algumas áreas, pelo menos da Ciência, é fenomenal. Eles são o mais claro argumento que consigo imaginar àqueles que dizem “Oh, a Ciência é circunstancial; Ciência é apenas a moda do momento; Ciência é a promoção do interesse próprio daqueles no poder”. É claro que há um pouco disso. É claro que se existe uma ferramenta poderosa, aqueles no poder tentarão usá-la, ou mesmo monopolizá-la. É claro que cientistas, sendo pessoas, crescem numa sociedade e refletem os preconceitos de tal sociedade. Como poderia ser diferente? Alguns cientistas foram nacionalistas; alguns foram racistas; alguns foram sexistas. Mas isso não mina a validade da Ciência. É apenas uma consequência de ser humano.
Então, imagine – há tantas áreas que podemos cogitar –, imagine que você queira saber o sexo do seu filho que está para nascer. Há várias abordagens. Você poderia, por exemplo, fazer o que a estrela do filme recente, que eu e Annie admiramos muito – Cary Grant – fazia antes de ser ator: num carnaval ou feira ou sala de consulta, você suspende um relógio de pulso ou um peso de fio de prumo acima do abdômen da mãe grávida; se ele balançar para esquerda e para direita, é um menino, se balança para frente e para trás, é uma menina. O método funciona uma vez em duas. É claro que ele já não estava mais lá antes de o bebê nascer, portanto nunca ouviu reclamações de clientes dizendo que ele errou. Acertando uma vez a cada duas – não é tão mau. É melhor do que, digamos, kremlinologistas costumavam ser. Mas se você realmente quer saber, então você faz uma amniocêntese, ou sonograma; e aí suas chances de acertar são de 99 em 100. Não é perfeito, mas é muito melhor do que uma em duas. Se você realmente quer saber, recorra à Ciência.
Ou suponha que você queira saber quando é o próximo eclipse solar. A Ciência faz algo realmente espantoso: ela pode lhe dizer com um século de antecedência onde o eclipse ocorrerá na Terra e quando, digamos, chegará à totalidade, com precisão de segundos. Pense no poder de predição que isso significa. Imagine o quanto você deve entender para ser capaz de dizer quando e onde ocorrerá um eclipse num futuro tão distante.
Ou (exatamente a mesma física) imagine lançar uma espaçonave da Terra, como a espaçonave Voyager em 1977; 12 anos mais tarde a Voyager I chega a Netuno a 100 quilômetros ou quase de onde ela deveria estar sem ter de usar alguma das correções no meio do curso que estavam disponíveis; 12 anos, 5 bilhões de quilômetros, no alvo!
Então, se você quer ser realmente capaz de prever o futuro – não em tudo, mas em algumas áreas –, há apenas um regime de sabedoria humana, de alegação humana de conhecimento, que realmente cumpre a tarefa, e é a Ciência. As religiões dariam seus dentes caninos para serem capazes de predizer qualquer coisa com tal precisão. Pensem em quanta milhagem fariam se alguma vez pudessem fazer predições comparavelmente precisas e sem ambiguidades.
Agora como ela funciona? Por que é tão bem-sucedida?
A Ciência possui mecanismos de correção de erros embutidos – porque a Ciência reconhece que cientistas, como todo mundo, são falíveis, que cometemos erros, que somos movidos pelos mesmos preconceitos que todos os outros. Não existem questões proibidas. Argumentos de autoridade são indignos. Alegações devem ser demonstradas. Argumentos ad hommem – argumentos sobre a personalidade de alguém que discorda de você – são irrelevantes; eles podem ser uns “miolo-mole” e estarem certos, e você pode ser um pilar da comunidade e estar errado.
Se você der uma olhada na Ciência em sua prática diária, certamente descobrirá que os cientistas têm toda a gama de emoções humanas e personalidades e caracteres e tal. Mas há uma coisa que realmente chama a atenção de quem olha de fora, o corredor polonês de criticismo que é considerado aceitável ou mesmo desejável. O(a) pobre estudante de graduação no seu exame oral de Ph.D. é sujeito a um fogo cruzado destruidor de questões que às vezes parecem hostis ou desdenhosas – por parte dos professores que têm o futuro do candidato ao seu alcance. Naturalmente, os estudantes ficam nervosos; quem não ficaria? É verdade, eles prepararam-se para isso durante anos. Mas eles entendem que, naquele momento crítico, realmente precisam ser capazes de responder questões. Estão se preparando para defender suas teses, devem antecipar questões; devem pensar: “Onde há uma fraqueza na minha tese que outra pessoa possa achar – porque é melhor que eu ache antes deles, pois se acharem e eu não estiver preparado, ficarei em sérios apuros”.
Você dá uma olhada em reuniões científicas contenciosas. Você encontra colóquios universitários em que o(a) palestrante mal apresentou durante 30 segundos o assunto sobre o qual falará, e repentinamente há interrupções, talvez questões desmoralizadoras, da audiência. Você dá uma olhada nas conferências de publicações para as quais você submete um artigo científico para um jornal, e ele vai para críticos anônimos cujo trabalho é pensar “Você fez alguma coisa estúpida? Se você não fez nada estúpido, há algo aqui que seja suficientemente interessante para ser publicado? Quais são as deficiências desse artigo? Isso já foi feito por outra pessoa? O argumento é adequado, ou você deveria enviar o artigo depois de ter realmente demonstrado o que está especulando?”. E assim por diante. E é anônimo: você não sabe quem são seus críticos. Você deve confiar no editor para que ele mande o artigo para verdadeiros experts que não sejam excessivamente maliciosos. Esta é a expectativa diária na comunidade científica. E aqueles que não esperam isso – mesmo bons cientistas que simplesmente não conseguem se sustentar sob o criticismo – têm carreiras difíceis.
Por que toleramos isso? Gostamos de ser criticados? Não, nenhum cientista gosta de ser criticado. Cada cientista sente uma afeição por suas ideias e resultados científicos. Você sente-se o protetor deles. Mas você não responde aos críticos: “Espere um pouco, espere um pouco; esta é realmente uma ideia muito boa. Estou muito afeiçoado a ela. Não lhe fez mal algum. Por favor, não a ataque”. Não é assim. A dura mas única regra é que se as ideias não funcionam, você deve jogá-las fora. Não gaste neurônios naquilo que não funciona. Devote esses neurônios a novas ideias que melhor expliquem os dados. Críticas válidas estão lhe fazendo um favor.
Há uma estrutura de recompensa na Ciência que é muito interessante: nossas maiores honras vão para aqueles que refutam as descobertas dos mais reverenciados entre nós. Portanto, Einstein é reverenciado não somente porque ele deu tantas contribuições fundamentais à Ciência, mas porque achou uma imperfeição na contribuição fundamental de Isaac Newton (Isaac Newton foi certamente o maior físico antes de Einstein).
Agora pense quais outras áreas da sociedade humana têm tal estrutura de recompensa, na qual reverenciamos aqueles que provam que doutrinas fundamentais que adotamos estão erradas. Pense nisso na Política, ou na Economia, ou na Religião; pense nisso na forma como organizamos nossa sociedade. Com frequência, é exatamente o oposto: recompensamos aqueles que nos reasseguram de que aquilo que nos foi dito está certo, que não devemos preocupar-nos com isso. Essa diferença, acredito, é ao menos uma razão básica pela qual fizemos tanto progresso na Ciência, e tão pouco em outras áreas.
Somos falíveis. Não podemos esperar impingir nossos desejos ao Universo. Assim, outro aspecto chave da Ciência é a experimentação. Cientistas não confiam no que é intuitivamente óbvio, porque o intuitivamente óbvio não os leva a lugar algum. Que a Terra era plana já foi óbvio uma vez. Digo, realmente óbvio; óbvio! Saia para um campo plano e dê uma olhada: é redondo ou plano? Não me dê atenção; vá e prove a você mesmo. Que corpos mais pesados caem com mais velocidade que corpos mais leves já foi óbvio uma vez. Que sanguessugas curam doenças uma vez já foi óbvio. Que algumas pessoas são escravas por natureza e direito divino já foi óbvio uma vez. Que a Terra está no centro do Universo já foi óbvio uma vez. Você está cético? Vá lá fora, dê uma olhada: as estrelas nascem no leste, põem-se no oeste; aqui estamos nós, estacionários (você sente a Terra girando?); vemos as estrelas movendo-se por nossa volta. Nós somos o centro; elas andam à nossa volta.
A verdade pode ser enigmática. Pode dar algum trabalho agarrá-la. Ela pode ser contraintuitiva. Ela pode contradizer preconceitos profundamente arraigados. Ela pode não ser consoante com aquilo que desesperadamente queremos que seja verdade. Mas nossas preferências não determinam o que é verdade. Temos um método, e esse método nos ajuda a alcançar não a verdade absoluta, apenas abordagens assintóticas da verdade – nunca lá, apenas mais e mais perto, sempre achando novos e vastos oceanos de possibilidades não descobertas. Experimentos projetados inteligentemente são a chave.
Na década de 1920, houve um jantar em que o físico Robert. W. Wood foi requisitado para responder a um brinde. Era um tempo em que as pessoas se levantavam, faziam um brinde, e então selecionavam alguém para responder ao brinde. Ninguém sabia a que brinde pediriam que respondesse, portanto era um desafio para os perspicazes. Nesse caso o brinde era: “À Física e à Metafísica”. Por Metafísica queria-se dizer algo como Filosofia – verdades às quais se podia chegar apenas pensando sobre elas. Wood levou um segundo, deu uma olhadela ao redor, e respondeu neste teor: O físico tem uma ideia, ele disse. Quanto mais ele pensa sobre ela, mais sentido ela faz para ele. Ele busca a literatura científica, e quanto mais lê, mais promissora a ideia parece. Assim preparado, ele planeja um experimento para testar a ideia. O experimento é apurado. Muitas possibilidades são eliminadas ou levadas em conta; a precisão das medições é refinada. Ao final de todo esse trabalho, o experimento é completado e… a ideia mostra-se inútil. O físico então descarta a ideia, limpa a mente (como eu dizia a um momento atrás) da confusão do equívoco, e muda para outra coisa.
A diferença entre física e metafísica, Wood concluiu, é que a metafísica não tem laboratório.
Por que é tão importante ter a compreensão sobre Ciência e tecnologia amplamente distribuída? Primeiro, é a estrada dourada para nações em desenvolvimento saírem da pobreza. E nações em desenvolvimento entendem isso, pois você precisa apenas olhar as escolas de graduação estadunidenses modernas – em Matemática, Engenharia, Física – para descobrir, caso após caso, que mais de metade dos estudantes são de outros países. Isso é algo que os EUA estão fazendo pelo mundo. Mas isso transmite um claro senso de que as nações em desenvolvimento entendem o que é essencial para seu futuro. O que me preocupa é que os estadunidenses podem não estar igualmente esclarecidos sobre o assunto.
Deixe-me falar dos perigos da tecnologia. Quase todo astronauta que visitou a órbita da Terra apontou isto: eu estava lá, eles dizem, e olhei para o horizonte, e havia essa fina tira azul que é a atmosfera terrestre. Foi-me dito que vivemos num oceano de ar. Mas lá estava ele, tão frágil, um azul tão delicado: estava preocupado por ele.
De fato, a espessura da atmosfera terrestre, comparada ao tamanho da Terra, tem mais ou menos a mesma proporção da espessura de uma camada de verniz num modelo de globo terrestre usado em sala de aula, em relação ao seu diâmetro. Esse é o ar que nutre a nós e quase todas as outras formas de vida na Terra, que nos protege dos mortais raios ultravioleta solares, que através do efeito estufa eleva a temperatura da superfície acima do ponto de congelamento. (Sem o efeito estufa, toda a Terra ficaria abaixo do ponto de congelamento da água e estaríamos todos mortos.) Agora, essa atmosfera, tão fina e frágil, está sendo assaltada por nossa tecnologia. Estamos jogando todo tipo de coisa nela. Você sabe sobre a preocupação com os clorofluorcarbonos, que estão arrasando a camada de ozônio; e que dióxido de carbono e metano e outros gases estufa estão produzindo um aquecimento global, uma corrente constante entre flutuações produzidas por erupções vulcânicas e outras fontes. Quem sabe que outros desafios estamos impondo a essa camada vulnerável de ar que não fomos sábios o suficiente para prever?
Os efeitos colaterais inadvertidos da tecnologia podem desafiar o ambiente do qual nossas próprias vidas dependem. Isso significa que devemos entender Ciência e tecnologia; precisamos antecipar consequências de longo prazo de maneira inteligente – não apenas a linha de baixo na coluna de lucros e perdas da corporação neste ano, mas as consequências para a nação e a espécie em 10, 20, 50, 100 anos no futuro. Se pararmos totalmente a produção de clorofluorcarbono e produtos químicos afins, agora mesmo (como o estamos fazendo de fato), a camada de ozônio se recuperará dentro de cem anos. Assim nossos filhos, netos ou bisnetos são obrigados a sofrer pelos erros que cometemos. Essa é uma segunda razão para a educação científica: os perigos da tecnologia. Devemos entendê-la melhor.
Uma terceira razão: origens. Toda cultura humana tem devotado parte de seu intelecto, moral e recursos materiais tentando entender de onde vem tudo – nossa nação, nossa espécie, nosso planeta, nossa estrela, nossa galáxia, nosso universo. Pare alguém na rua e pergunte sobre isso. Você não encontrará muitas pessoas que nunca pensaram sobre isso, que não têm curiosidade sobre suas origens elementares.
Sustento que há um tipo de Lei de Gresham que se aplica na confrontação entre Ciência e pseudociência: na imaginação popular, ao menos, a má ciência expulsa a boa. O que quero dizer é isto: se você é levado por continentes perdidos, canalizações e ÓVNIs e toda a ladainha de alegações tão bem-expostas no Skeptical Inquirer, você pode não ter espaço intelectual para as descobertas da Ciência. Você está farto de admiração. Nossa cultura por um lado produz as fantásticas descobertas da Ciência, e por outro lado corta-as antes que cheguem às pessoas comuns. Assim, pessoas que são curiosas, inteligentes, dedicadas a entender o mundo, podem ser, todavia (em nosso ponto de vista), enlameadas em superstição e pseudociência. Você poderia dizer: bem, elas deveriam saber melhor, deveriam ser mais críticas, e assim por diante; mas isso é muito severo. Não é tanto culpa delas, eu digo. É culpa de uma sociedade que preferencialmente propaga as bobagens e retêm a ambrosia.
A maneira menos efetiva para céticos conseguirem a atenção dessas pessoas brilhantes, curiosas e interessadas é depreciar, ou condescender, ou mostrar arrogância ante suas crenças. Elas podem ser crédulas, mas não são estúpidas. Se considerarmos a fragilidade e falibilidade humanas, entenderemos sua condição.
Por exemplo: andei pensando ultimamente sobre abduções por alienígenas, e falsas alegações de abusos sexuais infantis, e histórias de abusos de rituais satânicos no contexto de memórias recuperadas. Há semelhanças interessantes entre essas classes de casos. Acho que se quisermos entender quaisquer deles, devemos entendê-los todos. Mas há uma tendência insana dos céticos, quando tratam de histórias inventadas de abuso sexual infantil, a esquecer que abusos reais e assustadores acontecem. Não é verdade que todas essas alegações de abusos sexuais infantis são tolas e bombeadas por terapeutas sem ética. O jornal de ontem noticiou que uma pesquisa entre 13 estados descobriu que um sexto de todas as vítimas de estupro reportadas à polícia têm menos de 12 anos. E esta é uma categoria de estupro que é menos reportada à polícia, por motivos óbvios. Dessas meninas, um quinto foi estuprado por seus pais. É um monte de gente, e um monte de revelações. Devemos manter isso em mente quando consideramos pacientes que, digamos, por terem um distúrbio alimentar, suprimiram um abuso sexual infantil diagnosticado por seus psiquiatras.
As pessoas não são estúpidas. Acreditam em coisas por razões. Que não rejeitemos pseudociência ou mesmo superstição com desprezo.
No século XIX eram médiuns: você iria à sessão espírita, e seria posto em contato com parentes mortos. Hoje em dia é um pouco diferente; chama-se canalização. Ambas os casos são basicamente sobre o medo humano de morrer. Não sei quanto a você; acho a ideia de morrer desagradável. Se tivesse uma escolha, ao menos por algum tempo, eu prontamente não morreria. Duas vezes durante minha vida estive perto de morrer. (Não tive uma experiência de quase-morte, lamento dizer.) Posso entender a ansiedade sobre o ato de morrer.
Há uns 14 anos meus pais morreram. Tivemos um bom relacionamento. Eu era muito ligado a eles. Ainda sinto sua falta terrivelmente. Não pediria muito: ficaria contente com cinco minutos por ano com eles; para contar-lhes como seus filhos e netos estão passando, e como eu e Annie estamos. Sei que soa estúpido, mas gostaria de perguntar-lhes, “está tudo bem com vocês?”. Apenas um pequeno contato. Por isso não rio das mulheres que vão aos túmulos de seus maridos e conversam com eles de vez em quando. Não é difícil entender. E se temos dificuldades quanto ao estado ontológico daqueles com quem elas falam, tudo bem. O caso não é sobre isso. É sobre humanos sendo humanos.
No contexto de abduções alienígenas, tenho tentado entender o fato de que os humanos alucinam, o que é um lugar-comum, sim, sob condições de privação sensorial ou drogas ou privação do sono REM, mas também no curso corriqueiro da existência. Ouvi, talvez umas doze vezes desde a morte dos meus pais, um deles dizer meu nome: somente a palavra “Carl”. Sinto falta deles, me chamaram muito pelo primeiro nome enquanto estavam vivos; eu tinha o hábito de responder instantaneamente quando era chamado; isso tem raízes psíquicas profundas. Assim, meu cérebro repete isso de vez em quando. Isso não me surpreende de forma alguma; até gosto um pouco. Mas é uma alucinação. Se fosse um pouco menos cético, entretanto, vejo como seria fácil dizer, “eles estão por aí em algum lugar. Posso ouvi-los”.
Raymond Moody, que é um M.D. [doutor médico], acho, um autor que escreve inumeráveis livros sobre vida após a morte, realmente citou-me no primeiro capítulo do seu último livro, dizendo que ouvi meus pais me chamarem por Carl, e então, vejam, até ele acredita em vida após a morte. Isto omite minha opinião severamente. Se esse é um dos argumentos do capítulo 1 do último livro de um dos principais expoentes da vida após a morte, suspeito que a despeito de nossos anseios mais ferventes, o caso é fraco.
Mesmo assim, suponha que não me aprofundasse nas virtudes do ceticismo científico e me sentisse como sinto em relação aos meus pais, e então vem alguém que diz: “posso colocá-lo em contato com eles”. Suponha que ele seja esperto, e descobriu algo sobre meus pais no passado, e é bom em imitar vozes, e assim por diante – uma sala escurecida, com incenso e tudo mais. Posso ver-me sendo arrebatado emocionalmente.
Você me desprezaria se eu caísse nessa? Imagine que eu nunca tivesse sido educado sobre ceticismo, não tivesse ideia de que é uma virtude, mas em vez disso acreditasse que é algo grosseiro e negativo e que rejeita tudo o que é humano. Você não entenderia se eu me deixasse manipular por um médium ou canalizador?
A principal deficiência que vejo no movimento cético é sua polarização: nós versus eles – o senso de que temos um monopólio da verdade; que aquelas outras pessoas que acreditam em todas essas doutrinas estúpidas são retardadas; de que se você for sensato, irá nos escutar; e se não, pro inferno com você. Isto não é construtivo. Não transmite nossa mensagem. Condena-nos a um status permanente de minoria. Por outro lado, uma abordagem que, desde o início, admite as raízes humanas da pseudociência e superstição, que reconhece que a sociedade arranjou as coisas de forma que o ceticismo não seja bem ensinado, pode ser muito mais amplamente aceita [*].
Se entendermos isso, então é claro que teremos compaixão pelos abduzidos e aqueles que se surpreendem com os círculos nas plantações e acreditam que são sobrenaturais, ou pelo menos de manufatura extraterrestre. Esta é a chave para tornar a Ciência e o método científico mais atraentes, especialmente aos jovens, porque é uma batalha pelo futuro.
A Ciência envolve um misto de atitudes aparentemente contraditórias: por um lado ela requer uma abertura quase total a todas as ideias, não importa o quão bizarras e estranhas pareçam, uma propensão à admiração. Enquanto caminho, meu tempo desacelera; encolho na direção do movimento, e adquiro mais massa. Isso é loucura! Na escala do minúsculo, a molécula pode estar nesta posição, naquela posição, mas lhe é proibido estar em qualquer posição intermediária. Isso é bárbaro! Mas a primeira é uma afirmação da relatividade especial, e a segunda é uma consequência da mecânica quântica. Goste ou não, o mundo é assim. Se você insiste que isso é ridículo, estará para sempre privado das maiores descobertas da Ciência. Mas, ao mesmo tempo, a Ciência requer o mais vigoroso e inflexível ceticismo, porque a grande maioria das ideias são simplesmente erradas, e a única maneira de distinguir o certo do errado, o joio do trigo, é pelo experimento crítico e análise.
Muita abertura e você aceita toda noção, ideia e hipótese – o que é equivalente a não saber nada. Muito ceticismo – especialmente a rejeição de novas ideias antes de serem adequadamente testadas – e você não é apenas desagradavelmente ranzinza, mas também fechado para o avanço da Ciência. Uma mistura criteriosa é o que precisamos.
Não é divertido, como disse no início, ser alvo dos questionamentos céticos. Mas é o preço que podemos pagar para ter os benefícios de uma ferramenta poderosa como a Ciência.
[*] Se hábitos de pensamento cético são amplamente distribuídos e recompensados, então a quem o ceticismo será principalmente aplicado? Àqueles no poder. Aqueles no poder, consequentemente, não têm um interesse em todo mundo ser capaz de fazer perguntas.
A boa música
“A qualidade de uma música pode ser medida pela sua durabilidade.
Os discos são como pessoas. Você os ouve e se apaixona.
Alguns, você pode ouvir muitas e muitas vezes.
Outros, você houve quatro vezes e o caso de amor termina”.